Em busca do Pai Natal

Em busca do Pai Natal 


Katherine LaGrave

De Afar




Elfos de Natal, ágeis e alegres, percorrem velozmente um pinhal no norte da Finlândia, ajudando o Pai Natal no seu centro de comando e fábrica de brinquedos. O aroma a abeto acabado de aparar emana dos postos de marcenaria, e uma máquina, num zumbido constante, enche unicórnios aveludados de penugem cor-de-rosa. 


Estou na Floresta Secreta do Pai Natal – Joulukka, em finlandês –, um local que não aparece nos mapas e onde os visitantes apenas são recebidos com marcação prévia. É uma noite tão escura e difusa que parece que estou dentro de uma luva. As únicas coisas que me guiam são as velas na neve e as vozes agudas dos elfos a cortarem o ar frio.


«Há quanto tempo é um elfo?», pergunto a um deles.

«Cento e vinte sete anos, vai para cento e vinte e oito.»

«Não tem medo de andar por aqui?»

«Não. Temos muitos animais amigos que nos ajudam.»

«Onde é a casa de banho?»

«Eu mostro-lhe onde fica o buraco mágico onde os viajantes vão para se sentirem melhor da barriga.»


A visita, realizada em novembro de 2021, fazia parte de uma viagem de duas semanas pela Finlândia. Tinha como missão encontrar o homem que parecia estar em todo o lado e em lado nenhum ao mesmo tempo: o Pai Natal.


Em 1927, o apresentador de rádio Marus Rautio anunciou que a casa do Pai Natal tinha sido «localizada» em Korvatuntur, uma montanha na Lapónia, a região que fica mais a norte da Finlândia. Desse local, sugeriu Marus Rautio, o Pai Natal conseguia ouvir até os mais leves sussurros transportados pelo vento norte.


Niilo Tarvajärvi, outra personalidade de renome na rádio e televisão, teve a ideia de capitalizar a mitologia do Pai Natal na década de 1960, depois de visitar a Disneylândia, nos Estados Unidos, mas só na de 1980 é que essa ideia ganhou pernas para andar. Foi quando o Departamento de Turismo da Finlândia lançou uma nova estratégia para a Lapónia que, apesar dos seus muitos ativos – uma das poucas zonas de natureza intacta da Europa, a forte cultura da população Sami, os nativos da região –, não tinha sido capaz de atrair turistas suficientes. A solução? Fazer da Lapónia a terra do Pai Natal.


Korvatunturi foi considerada demasiado remota, por isso as autoridades focaram o seu esforço em Rovaniemi, a capital da Lapónia, que fica 364 quilómetros para sudoeste, logo abaixo do Círculo Polar Ártico. Noventa por cento de Rovaniemi foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial, mas em 1945, Alvar Aalto, o maior arquiteto do país, começou a reconstruí-la – desenhando a cidade com a forma da cabeça de uma rena com as respetivas hastes.


Em 1984, o governador da Lapónia declarou a província «Terra do Pai Natal». Um Concorde começou a fazer voos de Natal de Londres com destino ao Aeroporto de Rovaniemi – rebatizado «Aeroporto Oficial do Pai Natal».

Um ano antes, o Turismo finlandês supervisionou a criação da Aldeia do Pai Natal, mesmo a norte de Rovaniemi. A atração, operada por cerca de 50 companhias privadas, oferece passeios de rena e inclui o Posto de Correios do Pai Natal, que recebe cerca de meio milhão de cartas por ano. (Endereço: Tähtikuja 1, 96930 Círculo Polar Ártico, Finlândia). A aldeia está aberta 365 dias por ano, uma verdadeira terra de fantasia no inverno e também na primavera, verão e outono.

Atualmente, a imagem do Pai Natal da Finlândia é controlada pela Fundação Pai Natal, uma empresa privada associada a 40 marcas, incluindo a companhia de aviação nacional Finnair e VisitFinland.com. Para espalhar a mensagem de que a Finlândia é, de facto, «o verdadeiro país do Pai Natal», a fundação garante que pode ser visto praticamente em todo o lado, seja a jogar basquete com os Harlem Globetrotters, em Helsínquia, ou a apanhar um comboio da boa vontade para atravessar a Ásia. O CEO da fundação, Jari Ahjoharju, chama-lhe «o finlandês mais conhecido».

O Pai Natal está tão embrenhado na consciência dos finlandeses que 

a sugestão de que pode ser de outro lado qualquer é recebida, na melhor das hipóteses, como uma piada, e uma calúnia, na pior. «O Pai Natal não é do Polo Norte», disse-me uma finlandesa durante um almoço de trabalho, tirando isso amigável, cerrando os nós dos dedos contra o tampo da mesa, a mais forte exibição de firmeza que iria ver durante a minha estada no país. «Ele é da Finlândia.»


A inspiração da vida real para a lenda do Pai Natal é São Nicolau de Mira, que viveu nos séculos iii e iv onde é hoje o sul da Turquia. Conhecido pela sua generosidade, elegância e bondade para com as crianças, São Nicolau era venerado na Europa pelos seus milagres. O aniversário da sua morte, 6 de dezembro, foi celebrado durante muito tempo com atos de caridade e bondade.


Em 1810, um dos fundadores da New York Historical Society, John Pintard, encomendou ao artista Alexander Anderson o desenho de uma imagem de São Nicolau para a celebração do 6 de dezembro da sociedade. A ilustração de Anderson retrata o santo como dador de presentes para as crianças, com meias penduradas na lareira.


As referências ao santo na poesia, na prosa e em ilustrações foram-se multiplicando e, com o tempo, deixou de ser um bispo magro para dar 

lugar a um amigo das pessoas rechonchudo, que anda à volta do mundo num trenó puxado por renas. Foi rebatizado como Santa Claus, para nós Pai Natal, uma variação do seu nome em holandês, Sinterklaas. Pensa-se que Thomas Nast foi o primeiro artista que retratou o Pai Natal a viver no Polo Norte, num cartoon que realizou em dezembro de 1866 para a revista americana Harper’s Weekly.

A palavra finlandesa para Pai Natal, Joulupukki, ou Bode Yule, faz referência quer a São Nicolau quer a antigas tradições pagãs que são celebradas pelos finlandeses, em que homens vestidos de bodes cornudos exigiam as sobras da festa de Yule. A caridade acabou por substituir a recolha, e Joulupukki começou a dar presentes, batendo primeiro à porta a perguntar: «Há aí dentro crianças bem-comportadas?» 


Todos os anos, cerca de 740 mil visitantes que pernoitam permitem um retorno de 260 milhões de euros a Rovaniemi. No total, o turismo emprega 1800 pessoas na cidade, que tem uma população de 62 420 almas. De novembro a março, há voos diretos para o aeroporto oriundos de toda a Europa, incluindo Paris, Londres, Bruxelas e Dusseldorf. Citando as belas paisagens nevadas e a auroras boreais, Sanna Kärkkäinen, diretor do Departamento de Turismo local, diz com simplicidade: «O Pai Natal não seria mais feliz noutro lugar.»


Uma das atrações de temática natalícia da cidade é o SantaPark, que abriu em 1998. Katja Ikäheimo-Länkinen e Ilkka Länkinen, donos de um hotel, compraram uma participação maioritária no parque ao governo finlandês e à cidade de Rovaniemi em 2009. Na altura, as suas principais atrações eram viagens de carrossel e lojas de lembranças e ainda não tinha dado lucro. «Perguntámo-nos: “Como podemos fazer isto melhor? Como podemos tornar real o conto de fadas perfeito?”», explica Katja. O casal trabalhou e reconstruiu o SantaPark, acrescentando Joulukka às suas atrações.

Construído no monte Syväsenvaara, no local de um antigo abrigo contra bombardeamentos, o SantaPark tem acesso por um túnel inclinado de 50 metros, com uma simulação da aurora boreal a refletir verde e púrpura das paredes. À medida que o meu grupo descia para a festa, a nossa risonha guia «elfo», Sophina – um humano adulto –, ia ficando cada vez mais animada. A minha mente, pouco habituada a ver aquele tipo de exuberância sem filtros em alguém com mais de 10 anos, oscilava entre o divertido e o alarmado.

Quando chegámos ao centro do SantaPark, tínhamos atravessado o Círculo Polar Ártico. Suaves luzes brancas pendiam das árvores e galhos dos pinheiros, e havia presentes empilhados espalhados. Também os elfos estavam por todo o lado, a separar cartas no Posto dos Correios, a ensinar na escola de elfos e a ajudar a Mãe Natal na cozinha de pão de gengibre.


Subi para um comboio em forma de trenó e passei pelo meio de cenas interativas de maravilhas de inverno, saindo a cambalear cinco minutos depois e sentindo-me levemente nauseada. Mais tarde disseram-me que um rapaz tinha feito aquela viagem mais de duas mil vezes.


Na oficina dos elfos, sentei-me a uma mesa de madeira e fiz um ornamento do Pai Natal com feltro vermelho, madeira e lã. Com Sophina a sorrir ao meu lado, espetei-o na parede junto a dezenas de outros ornamentos de Pai Natal. Pais Natais com barba curta e comprida, bochechas rosadas e outras brancas. No entanto, o Pai Natal não estava nos Correios nem no seu escritório, a sua cadeira de madeira, coberta de almofadas e pele de rena, encontrava-se vazia.

Katja Ikäheimo-Länkinen sorriu quando perguntei quantos Pais Natais havia no SantaPark. «Na verdade, só temos um, que irá visitar todas as casas de todo o mundo», disse.

Pensei, Quando é que o vou ver?

O Pai Natal oficial da Finlândia veste apenas roupa aprovada pelo Ministério dos Assuntos Económicos e Emprego da Finlândia. O seu casaco, por exemplo, deve ser feito de feltro vermelho e conjugado com uma camisa de linho de «cor clara», «calças verde-musgo», luvas brancas, meias de lã e um chapéu de feltro vermelho, de acordo com o Pequeno Livro sobre o Natal escrito por Ilkka Länkinen. Outros «elementos importantes» incluem uma «barriga grande» e óculos, que podem ser redondos ou quadrados, mas devem ter aros de metal.

A conduta do Pai Natal também é estritamente controlada. Ele «nunca deve parecer apressado», lê-se no livro, não discute política ou religião e «não bebe bebidas alcoólicas». 


Em 2017, o ministro da Educação e Cultura da Finlândia adicionou «a Tradição do Pai Natal» ao Inventário Nacional de Património Vivo, juntamente com mais cinquenta e uma tradições, incluindo os banhos de sauna e o direito a visitar qualquer lugar na natureza. «A tradição do Pai Natal na Finlândia é conhecida em todo o país e também em muitos outros países», escrevem os diretores do Conselho Nacional de Antiguidades, que é o órgão responsável por esta lista.


No entanto, a casa do Pai Natal na Finlândia está em perigo. O Ártico está a aquecer três vezes mais depressa do que a média global, e um relatório de 2021 do Painel Finlandês de Alterações Climáticas previu que Rovaniemi será uma das zonas da Finlândia mais afetadas pelas mudanças climáticas. «Um clima que está a aquecer torna o turismo de inverno, com as suas atividades baseadas na neve e gelo, extremamente vulnerável», escreveu a Dra. Kaarina Tervo-Kankare, investigadora de Turismo do Ártico e Ambiente em Mudança na Universidade de Oulu, juntamente com dois colegas, em 2013.


Cerca de três quartos da Finlândia, que se comprometeu a tornar-se neutra em carbono em 2035, estão cobertos de floresta e o ar e a água são os mais limpos do mundo. O país tem 41 parques nacionais e cerca de 200 mil renas. Agora, a Finlândia faz da promoção do turismo sinónimo de proteção dos seus valores naturais. O objetivo é transformar o país no destino de viagem mais sustentável do mundo. 


Em junho de 2020 foi lançado um programa de sete passos para ajudar as empresas e destinos turísticos a adotarem práticas mais sustentáveis. Os que completaram a formação e a auditoria recebem o título de «Sustainable Travel Finland», que é revisto a cada dois anos. Ao protegerem a sua parte do mundo, os finlandeses esperam atrair viajantes determinados a fazerem o mesmo. 


Passaram décadas desde a minha infância, mas há coisas que nunca mudam. Na noite em que finalmente avistei o Pai Natal, ele estava sentado numa cadeira de madeira intricadamente trabalhada no seu centro de comando em Joulukka. Ramos frescos de pinheiro pendiam por cima da sua cabeça, e elfos relaxavam junto a ele, agentes da alegria. As suas botas estavam molhadas da neve. 


A sorrir, esperei a minha vez para o ver e, quando estendeu a mão com a luva branca na minha direção, aproximei-me. Depois, perguntou-me o que queria para o Natal e eu disse-lhe. 





AFAR (14 de Dezembro de2021), Copyright © 2021 porAFAR Media











Elfos a dirigirem-se para a Floresta Secreta do Pai Natal no norte da Finlândia.




Rovaniemi no inverno, vista da outra margem do rio Kemijoki. 




Uma rena leva os visitantes num passeio de trenó na Aldeia do Pai Natal.



A entrada do túnel para SantaPark, que outrora foi um abrigo de ataques aéreos. 


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