Grutas antigas, mosteiros e outras visitas obrigatórias para os fãs de queijo.
Sam O’Brien
DE Gastro Obscura
Há algo no queijo que evoca uma paixão e lealdade que não tem rival no mundo da culinária. Deve ser por isso que as pessoas se dispõem a atravessar montanhas, vaguear por grutas e ordenhar até os mais poderosos animais, na busca de um produto lácteo delicioso.
No entanto, para lá dos conhecidos e clássicos fornecedores de Brie e burrata existe uma vasta rede de aventurosos produtores de queijo e apreciadores. Aqui ficam seis lugares onde os fãs podem dar largas ao seu amor pelo fromage.
1 KALTBACH, SUÍÇA
Gruta de Kaltbach
Na ondulante vastidão verde de um vale alpino perto de Lucerna, onde as nuvens passam contra as montanhas de cume nevado e plácidas vacas pastam em prados verdejantes, uma gruta formada a partir de um fundo de mar pré-histórico guarda um glorioso segredo culinário.
Nos corredores do queijo nos supermercados, muitos compradores reconhecem as pequenas cunhas de Emmi Kaltbach Le Gruyère, com os seus distintos rótulos negros com o logotipo da empresa e a cruz suíça. Mas poucos sabem que o queijo é cuidadosamente maturado na gruta de Kaltbach, uma formação de arenito em forma de túnel no interior do monte Santenberg, com condições climáticas perfeitas para o seu amadurecimento. O fresco labirinto subterrâneo, que se diz ter 22 milhões de anos, é a incubadora natural de cerca de 100 mil rodas de queijo, a maioria Gruyère e Emmental.
Prateleiras cheias estendem-se por mais de quilómetro e meio com queijos à temperatura de 12,5º C durante todo o ano, e as frias águas do rio (kaltbach significa «rio frio») que correm pela gruta mantêm os níveis de humidade por volta dos 96%. O clima único da gruta e a interação dos depósitos minerais de arenito e o queijo criam um sabor e aroma distintos e dão à casca uma característica cor castanho-escura.
Como os artistas que trabalham nas suas obras-primas, os mestres da gruta viram, lavam e escovam as rodas de queijo com uma solução salina a cada sete a oito dias. Os queijos ficam na gruta até nove meses, diligentemente vigiados até atingirem a maturidade aromática e a textura perfeita. A arte de cuidar e avaliar a maturidade do queijo é um saber passado ao longo de gerações de mestres da gruta de Kaltbach, sem que haja qualquer registo escrito.
A gruta foi descoberta em 1953. Com necessidade de mais espaço de armazenamento, os queijeiros locais começaram a guardar ali os seus queijos. Em 1993 a Emmi adquiriu a gruta e, desde então, tem fabricado, selecionado e maturado os seus melhores queijos neste local.
2 BJURHOLM, SUÉCIA
A Casa do Alce (Älgens Hus)
O leite de alce é comercializado tanto na Rússia como na Suécia, mas uma pequena quinta com uma manada de 11 alces, a Casa do Alce, é o único lugar do mundo que produz queijo de alce. Os proprietários da quinta são tão famosos pelos seus produtos lácteos à base de alce que já têm um restaurante requintado, uma loja de recordações e um museu para os visitantes, que podem ver os alces domesticados.
3 TILLAMOOK, ESTADOS UNIDOS
Associação de Laticínios do Condado
de Tillamook
No estado do Oregon, no noroeste dos Estados Unidos, cubos de queijo pendem do centro de visitantes desta queijaria recentemente renovada, que também tem peças antigas, como um batedor de manteiga de 1927 e um selo usado para autenticar blocos empacotados como genuíno queijo de Tillamook. O mais impressionante é a visão do interior da fábrica, onde blocos de queijo do tamanho de caixas de leite passam por um tapete rolante e são encaixotados, e depois transportados para um armazém onde irão maturar entre sessenta dias a dez anos. Também se pode ter uma visão de bastidores do processo de produção e de embalagem. Todos os dias a queijaria processa 800 mil litros de leite e produz, pelo menos, 85 mil quilos de queijo. É, ao mesmo tempo, uma maravilha da engenharia do queijo e uma memória do passado.
O queijo cheddar tem uma longa história no condado de Tillamook. Um cheddar local ganhou um prémio em 1904 na Feira Mundial de St. Louis. Em 1909, diversas queijarias da zona formaram a Associação de Laticínios do Condado de Tillamook (TCCA) para funcionar como organização de controlo de qualidade para o cheddar produzido na região.
Ainda se usa uma receita de cheddar do início do século xix, e o espírito de excelência não se desvaneceu. No ano passado, a TCCA levou para casa dois ouros, duas pratas e dois bronzes nos Prémios Internacionais de Queijo e Laticínios.
4 PLANCHERINE, FRANÇA
Abadia de Tamié
A abadia de Tamié fica numa paisagem serena nas montanhas Bauges, no distrito da Saboia, em França. Fundada no século xii, alberga cerca de 25 monges trapistas que operam uma pequena unidade de laticínios e queijaria que produz o Abbaye de Tamié, um queijo macio feito com leite de vaca cru.
Em 2021, o mosteiro processou cerca de 3500 litros de leite por dia, produzindo 420 quilos de queijo Abbaye de Tamié, que é prensado e moldado em rodas. Depois é submerso num banho salino durante duas a três horas e transferido para as caves da abadia, onde é virado dia sim dia não e maturado durante quatro semanas.
Não querendo desperdiçar nada durante o processo do fabrico do queijo, os monges da abadia de Tamié inventaram uma utilidade criativa para os seus subprodutos. Em 2003 construíram uma unidade de digestão anaeróbica e usam o excesso de soro de leite e água da lavagem para produzirem biogás. Este serve para alimentar o sistema de água quente da abadia.O sucesso desta iniciativa inspirou sistemas semelhantes em França, sendo o mais notório a central «à base de queijo» perto de Albertville que, por ano, produz eletricidade suficiente para 300 casas.
O queijo Abbaye de Tamié é muitas vezes comparado ao Reblochon, embora seja um pouco mais espesso. Ambos os queijos usam leite cru, o que faz relevar o seu terroir – o característico sabor e aroma conferidos ao queijo pelo ambiente em que é produzido. Isto ajuda a dar ao Abbaye de Tamié o aroma de frutos, secos e frescos, e distintamente terroso.
5 BETHLEHEM, ESTADOS UNIDOS
Abadia de Regina Laudis
A Abadia de Regina Laudis, apropriadamente localizada na cidade de Bethlehem, no estado do Connecticut, no nordeste dos Estados Unidos, alberga freiras beneditinas com um gosto pelos queijos mais requintados que se podem produzir. A madre Noella, a quem foi dada a alcunha de «Freira do Queijo» depois de aparecer num documentário de 2002 com o mesmo nome, dirigiu os esforços da abadia para o mercado artesanal. Um produtor local ofereceu à abadia a sua primeira vaca na década de 1970 e as freiras começaram a criar a sua especialidade, o queijo Bethlehem de leite cru, não cozido, amadurecido por fungos, que é semelhante ao queijo Saint-Nectaire de França. As freiras aprenderam a técnica com um queijeiro francês de terceira geração.
A madre Noella até usou o queijo Bethlehem como base para a sua investigação académica, que lhe valeu um doutoramento em Microbiologia da Universidade do Connecticut. Uma bolsa Fulbright levou-a depois a França, onde se aventurou nas grutas do país para estudar os fungos. Usou a sua investigação para determinar como os fungos afetam o odor e sabor dos diferentes queijos à medida que são maturados.
Quando começou a fabricar queijo na abadia, havia apenas um outro produtor de queijo artesanal no Connecticut. Embora desde então a indústria tenha crescido com vigor nos Estados Unidos, a abadia de Regina Laudis continua a ser uma das poucas queijarias que estão licenciadas para produzir e vender produtos de leite cru.
As freiras ainda fazem o queijo Bethlehem na abadia, assim como outras variedades como ricotta, mozzarella e cheddar. A maioria dos queijos é consumida pelos residentes da abadia e convidados, mas por vezes são vendidos na loja de recordações da abadia juntamente com outras delícias caseiras como pão, mel, compotas e geleias.
6 ZEITZ, ALEMANHA
Memorial ao Ácaro do Queijo
Na minúscula aldeia da Alemanha de Leste de Würchwitz há um memorial em honra de um herói local microscópico: o ácaro do queijo. Sem este ácaro, os habitantes da aldeia não conseguiriam produzir a sua famosa especialidade, o queijo Milbenkäse.
O Milbenkäse é produzido na região da Saxónia-Anhalt desde a Idade Média, mas o método tradicional de fabrico perdeu-se quase por completo em meados do século xx, quando o governo da Alemanha Oriental proibiu a produção e venda de produtos infestados de ácaros. Depois da queda da União Soviética e da reunificação da Alemanha, o professor de Ciências local, Helmut Pöschel, usando técnicas transmitidas pela sua mãe e a avó, conseguiu preservar a tradição. Atualmente, o Milbenkäse é produzido apenas na pequena aldeia de Würchwitz.
O Milbenkäse é feito aromatizando um queijo fresco, macio e branco, chamado quark, com cominhos, flor de sabugueiro seca e sal. O queijo é moldado em bolas, rodas ou cilindros, que em seguida são secos e colocados numa caixa de madeira que contém farinha de centeio e ácaros do queijo (Tyrophagus casei).
E é durante esta fase que acontece a magia: durante pelo menos três meses, os ácaros do queijo segregam enzimas para cima do queijo, que fica amarelo e depois com um tom um castanho-avermelhado que vai escurecendo à medida que envelhece. Alguns produtores deixam o processo continuar durante um ano, altura em que o queijo fica preto. Bom trabalho, ácaros do queijo.
Quando o queijo está pronto para comer, os ácaros não são removidos. Em vez disso, são ingeridos juntamente com o queijo. Há outros queijos, como o Mimolette de França, que usam ácaros para criar uma casca irregular, mas o Milbenkäse é único porque os usa ao longo de todo o processo de produção.
Deste modo, não admira que os produtores de Würchwitz tenham decidido honrar os ácaros trabalhadores com uma estátua. Não é a coisa mais linda, mas trata-se de um tributo adequado quer aos ácaros, quer ao queijo que ajudam a produzir.