A casa de repouso dos elefantes

A CASA DE REPOUSO DOS ELEFANTES



Para adoçar a velhice dos velhos paquidermes dos circos e dos jardins zoológicos, dois belgas entusiastas criaram um santuário de paz. 


Olivier Van Caemerbèke 


A figura esguia de Tony Verhulst aproxima-se da vedação, com um balde de fruta e legumes na mão. «Aproveita, Lily, é bom para a tua saúde!», diz o tratador a rir, encantado por ver Delhi, uma elefanta-asiática, a banquetear-se com o ananás, a melancia e a alface que ele lhe oferece.

Nesta manhã de primavera, como todos os dias, a elefanta consome pelo menos 10 quilos de fruta e legumes e mais de 100 quilos de feno, erva e madeira macia. Gandhi, a sua companheira com quem Delhi partilha 29 hectares de pasto, passa a tromba pelos grossos cabos da vedação, procurando o toque de Tony. «Estes três têm realmente uma relação especial, são muito cúmplices», sorri Sofie Goetghebeur, a companheira de Tony, e acrescenta: «Os cabos estão eletrificados, mas a corrente não está ligada.» Convém referir que estes elefantes são pacíficos. Delhi nasceu em 1983, Gandhi em 1969. São animais de idade, tendo em conta que os elefantes-asiáticos têm uma esperança de vida de cerca de sessenta anos.

A Ásia fica longe. Estamos em Bussière-Galant, uma pequena comunidade com 1400 habitantes, situada no coração do parque natural regional de Périgord-Limousin. Esta zona rural francesa tem pouco para oferecer em termos de florestas tropicais mas, no entanto, os dois gigantes estão à vontade no seu refúgio de paz. Denominado Elephant Haven1, não se trata de um parque nem de um jardim zoológico, e as suas portas só excecionalmente estão abertas ao público. «Bem-vindos à única casa de repouso para elefantes da Europa!», diz Sofie, sem uma ponta de orgulho na voz porque ela e o seu companheiro, ambos com 52 anos, são pessoas reservadas. No entanto, fizeram tudo para poderem acolher os elefantes velhos dos circos e jardins zoológicos.


No Elephant Haven, os paquidermes não são obrigados a fazer nada. Cabe-lhes a eles decidirem se querem, ou não, aproximar-se dos tratadores e aceitar o duche que lhes é oferecido. Mas nessa manhã, como todos os dias, Delhi e Gandhi vieram à vez descansar as patas num banco robusto. As «meninas» estão familiarizadas com a manobra, que consiste em expor a almofada de gordura plantar, também conhecida como sola do pé. Tony dobra-se sobre cada pata e verifica se há pedras presas ou abcessos, doenças comuns nos elefantes. Este exame, «um check-up médico», insiste Sofie, faz parte de uma rotina de cuidados que também inclui a verificação dos olhos, ouvidos e pele de Delhi e Gandhi.


A saúde e o bem-estar dos animais são uma preocupação constante para Sofie e Tony, tal como para os dois tratadores que os apoiam. «O nosso papel», refere Sofie, «é estarmos disponíveis mas, tanto quanto possível, em segundo plano». Estes elefantes sempre viveram ao lado dos humanos e provavelmente não sobreviveriam na natureza, mas o santuário oferece-lhes um ambiente de vida tão próximo da liberdade quanto possível.

A ideia de criar o Elephant Haven nasceu em 2012. Na altura, Sofie e Tony, ambos belgas, eram tratadores no Jardim Zoológico de Antuérpia. Tony trabalhava com elefantes há mais de vinte anos e Sofie com macacos. «Tínhamos uma ideia em mente», recorda Tony com uma pitada de sotaque flamengo. «Como poderíamos fazer mais, e sobretudo de forma diferente, pelos animais? Queríamos criar um sítio onde a principal prioridade fosse o bem-estar deles.»


Tony começou por imaginar um santuário para os elefantes do circo. No início de 2010, cada vez mais países europeus estavam a considerar proibir a apresentação de animais selvagens nestes espetáculos. A veterinária Florence Ollivet-Courtois, que conheceu o casal pouco tempo depois e que ainda hoje acompanha o Elephant Haven, sugeriu uma nova direção para o projeto: «Atualmente, há menos de duzentos elefantes cativos em circos na Europa», afirma. «Por outro lado, os elefantes dos parques e jardins zoológicos encontram-se muitas vezes sozinhos à medida que envelhecem, em particular após a morte do parceiro, o que lhes é difícil de suportar porque precisam de viver com os seus congéneres.»

Porém, antes de acolher os elefantes era necessário encontrar o local ideal. «Queríamos muito espaço, muita relva, um clima temperado, bebedouros, árvores de fruto e com folhas comestíveis (macieiras, ameixeiras, pereiras, salgueiros, bétulas, videiras...), mas também um local que não estivesse sujeito a incêndios ou terramotos, um local com um preço de compra moderado e... onde as pessoas nos quisessem!», explica Sofie com um pequeno sorriso no rosto. A partir de Antuérpia, o casal procurou durante meses um sítio algures na Europa que satisfizesse a sua extensa lista de critérios.


«Estão a falar a sério?»


Quando Emmanuel Dexet, presidente da Câmara de Bussière-Galant, deu as boas-vindas a Sofie e Tony em 2016, não escondeu a sua surpresa. Os seus eleitores estão mais habituados a ver veados e esquilos do que paquidermes. A sério, estão mesmo. Há anos que andam a aperfeiçoar o seu projeto. De um espesso dossier, Sofie e Tony retiraram os planos para o seu futuro refúgio, que exibiram na secretária do presidente da Câmara.


Depois, contaram-lhe tudo sobre a sua formação e experiência, mas também vedações, orçamentos e bem-estar dos animais... O presidente da Câmara compreendeu rapidamente que a abordagem do casal era sólida. E ainda bem, porque do ponto de vista administrativo e de segurança tudo tinha de ser feito! «Foi totalmente fora do comum», recorda o político eleito.


Para que os belgas pudessem apresentar à autarquia o seu pedido de abertura de um «estabelecimento sujeito à regulamentação da fauna selvagem em cativeiro», Emmanuel Dexet foi rápido a classificar um terreno que, na altura, albergava uma antiga escola de equitação. Em seguida, teve de desclassificar uma estrada pública que atravessava a propriedade, bem como uma zona de caça perto do picadeiro... «O meu papel consistia sobretudo em encontrar os contactos certos a nível regional, departamental e nacional. Perante este tipo de projeto, algumas pessoas são rápidas a puxar do guarda-chuva», afirma o presidente da Câmara.


Entre as pessoas preocupadas contam-se as que são próximas do casal. «Que loucura! Deixarem empregos estáveis para embarcarem numa aventura perigosa!» Os pais de Sofie não ficaram muito entusiasmados com os planos da filha e do companheiro. Os «aventureiros», no entanto, lançaram-se com toda a força no projeto. Além de centenas de contactos com especialistas em elefantes de todo o mundo, pegaram nas suas 

poupanças e foram aos Estados Unidos visitar um santuário no Tennessee, e depois voaram para duas estadias no Elephant Nature Park em Chiang Mai, na Tailândia, onde Tony também foi voluntário durante três meses e se tornou mahout («mestre») de um elefante.

«Amigos, banqueiros e advogados desencorajaram-nos de começar», recorda Sofie. «Achavam que nunca conseguiríamos ter elefantes. É verdade que há pouca amizade entre os jardins zoológicos, os circos e os santuários...» Mas a originalidade e a benevolência do seu projeto atraíram a atenção de muitos doadores, próximos e distantes, ricos ou não. Em Inglaterra, a corredora de meia-maratona Louise Stringer angariou 331 libras (quase 400 euros) ao inscrever-se na Great Birmingham Run. Na Bélgica, depois de vender uma casa, um dador enviou um cheque de 50 mil euros. Nos Países Baixos, Tembo, um especialista em eletrificação, doou dois veículos todo-o-terreno. Em França, a Fundação Brigitte Bardot doou 350 mil euros para a construção das vacarias, como o casal lhes chama.

Os trabalhos de construção começam em maio de 2018. Juntamente com os artesãos da aldeia e dos arredores de Bussière-Galant, um exército de voluntários apareceu para soldar caixilhos de janelas, colocar vedações à volta das pastagens, plantar flores e árvores, cortar lenha para aquecer os estábulos... Os donativos, o voluntariado e a energia de Sofie e Tony ergueram montanhas. Na primavera de 2020, compraram 120 toneladas de areia (de um total de 320) para forrar os estábulos e formar os montes contra os quais os elefantes gostam de se encostar para descansar e recuperar as forças. Um pouco mais tarde, em pleno verão, com a última inspeção veterinária concluída com êxito, só faltava acolher o primeiro residente. Devido à pandemia, foi preciso esperar um pouco mais...


«Linda menina, Gandhi, linda menina!»


No dia 14 de outubro de 2021, por volta das 22h00 e após 500 quilómetros de estrada, a elefanta chegou à sua casa de repouso. Com as patas da frente, sentiu o chão, hesitando em sair do camião. Tony encorajou-a com a sua voz. O animal vinha do Jardim Zoológico de Pont--Scorff, na Bretanha.

Com passos lentos, entrou nos estábulos e explorou o seu novo ambiente, do qual, nessa noite, só viu os estábulos. Alguns pisos são revestidos de areia, outros de betão e os últimos de uma borracha macia que protege as articulações dos animais e lhes facilita o sono noturno. Quando Gandhi se aproximou de um dos ramos de bambu deixados para ela e o comeu avidamente, Tony e Sofie respiraram de alívio. Ela tinha aceitado a sua nova casa.


No Jardim Zoológico de Pont-Scorff, Gandhi era um animal triste que quase nunca se mexia. Atolado em dificuldades financeiras, o jardim zoológico passou por várias aquisições e por uma liquidação judicial. Foi Florence Ollivet--Courtois, abordada pelos novos proprietários do parque, rebatizado Les Terres de Nataé, quem propôs a transferência de Gandhi para o Elephant Haven. Para estabelecer um laço de confiança com Gandhi, Tony passou três meses na Bretanha. «Organizar a deslocação de um animal deste tipo é sempre complicado, porque ele tem uma ligação especial com os humanos», explica o veterinário. «As separações, em especial para os animais de circo, são sempre difíceis.»

Além disso, o elefante odeia viver isolado da família. Em agosto de 2022, Sofie e Tony deram as boas-vindas a Delhi. Tal como Gandhi, Delhi vivia sozinha no Jardim Zoológico de Usti Nad Labem, na República Checa. Tony passou lá duas semanas antes de acompanhar a sua protegida na viagem de trinta horas de camião até Limousin.

otalmente dedicados à sua causa, Sofie e Tony formam um casal discreto que tem relutância em falar deles próprios. «Tenho saudades da minha vida de mulher», admite Sofie. «Saídas com as amigas, restaurantes, compras... Com o Tony, dedicamos todos os momentos da nossa vida ao santuário.» Um compromisso que deverá aumentar à medida que o Elephant Haven se expande. «Tivemos dificuldade em conseguir o nosso primeiro residente», admite Sofie. «Quando ainda não tínhamos mostrado o que valíamos, nenhum dono de elefante queria deixá-lo partir para o desconhecido.


Contudo, agora recebemos regularmente pedidos de parques e circos europeus que pretendem confiar-nos um animal.»


Atualmente, está a ser desenvolvido um recinto de 40 hectares e, em breve, será construído um abrigo para mais seis elefantes, desta vez com o apoio do governo francês. Em 2021 foi aprovada uma lei que proíbe a aquisição e reprodução de animais de circo a partir de 2023, bem como a detenção e exploração de animais selvagens em circos itinerantes a partir de 2028. A Áustria (desde 2005), a Grécia (2012), a Bélgica (2014) e os Países Baixos (2015) também proibiram os animais selvagens nos circos. A Escócia, a Inglaterra, a Suécia e o País de Gales seguiram o mesmo exemplo. 

Embora o governo francês financie parcialmente a ampliação dos edifícios, o funcionamento do Elephant Haven (cuidados, alimentação, aquecimento dos estábulos...) continua a depender de donativos. O lar de idosos conta atualmente com dezenas de parceiros associativos e privados. «Cada elefante custa 100 mil euros por ano e a angariação de fundos continua a ser um desafio diário», acrescenta Sofie, que trabalha para a organização como voluntária, enquanto Tony ganha o salário mínimo. 

Com a expansão o santuário planeia acolher visitantes, incluindo crianças em idade escolar. «Isso não acontecerá em detrimento do bem-estar dos elefantes», garante o veterinário. «São animais muito inteligentes, habituados a ver pessoas. Os visitantes estimulam-nos. De facto, durante a Covid, nos jardins zoológicos eles mostravam sinais de mal-estar devido ao confinamento.» 


Em Bussière-Galant, o presidente da Câmara lembra-se de ter ficado surpreendido com a falta de oposição no início do projeto. Pelo contrário, prevalecia uma curiosidade benévola, até com uma ponta de orgulho. A aldeia tornar-se-ia o primeiro santuário europeu do género, o que não era coisa pouca. Atualmente, a fruta e os legumes das hortas circundantes, doados pelos habitantes locais, servem para alimentar os animais. Graças ao estrume de elefante – um excelente fertilizante –, um agricultor cultiva uma horta que abastece a cantina da escola da aldeia. Embora discretas, Delhi e Gandhi fazem parte da paisagem local. 


São 15h00 no santuário nesta tarde de primavera. O sol bate forte e Tony oferece-se para dar banho aos animais. Estica uma mangueira de onde jorra água gelada. Delhi aproxima-se. O jato de água parece fazer as delícias do animal, que enfia o flanco, a parte de trás das orelhas e depois as patas, e a seguir vira-se para Gandhi. 


Sofie fica comovida ao verificar que, depois de se terem evitado mutuamente, as suas duas residentes procuram cada vez mais a companhia uma da outra, caminhando lado a lado, olhando uma para a outra, persuadindo-se uma à outra com a tromba e bramindo juntas. 



Em breve, chegarão mais seis ao santuário. «Será que vão gostar de estar aqui?», pergunta o criador do Refúgio dos Elefantes. «E será que vamos ter dinheiro suficiente?» Uma imagem solarenga afasta estas questões: «Também vai ser mais alegria», garante-nos... «Os elefantes são tão maravilhosos que gostaríamos de poder comprar toda a região de Limousin para eles!» 


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