UMA HORTA NO FUNDO DO MAR
Na baía de Noli, perto de Génova, a uma profundidade de 6 metros, sem pesticidas nem rega, alguns agricultores muito especiais estão a fazer experiências bem-sucedidas com o cultivo de legumes de jardim.
Marie Roy
EXTRAÍDO DE Usbek & Rica
Para chegar à Horta do Nemo é preciso caminhar até ao fim da praia de Noli. Aqui, o «laboratório» é indistinguível dos outros pontos de aluguer de espreguiçadeiras que se alinham na areia: as mesmas pequenas cabanas de madeira, um chuveiro e equipamento de mergulho.
No entanto, é daqui que a quinta submarina será vigiada, a poucos metros da costa, «entre as quatro boias», explica o coordenador do projeto, Emilio Mancuso, apontando para os pontos amarelos que flutuam na água azul-turquesa.
Apesar do carácter discreto da instalação, qualquer pessoa equipada com máscara de snorkel pode, após algumas braçadas, espreitar e descobrir as nove esferas que compõem a Horta do Nemo, a uma profundidade de 6 metros. Assemelha-se a um cardume de medusas, com os seus guarda-chuvas de plástico transparente e os tentáculos cinzentos.
À superfície, as «biosferas», parecidas com grandes lentes oculares, parecem espaçosas. Na realidade, não têm mais de 2 metros de diâmetro. Cheias de ar, abrem-se por baixo. A abertura tem dois objetivos: permitir que os mergulhadores entrem na cúpula e manter o ar no interior antes que se evapore. No interior destas cloches transparentes, plantas e legumes crescem tranquilamente.
Legumes no fundo do mar?
Cultivar uma horta no fundo do mar não é uma ideia nova na Europa. São disso exemplo as casas subaquáticas do projeto Précontinent, defendido nos anos 60 do século xx pelo aventureiro francês Jacques-Yves Cousteau, ou a Cité des Mériens, idealizada pelo arqueólogo francês Jacques Rougerie, que passou inúmeras horas em expedições.
Embora a Horta do Nemo faça parte deste património, a sua ambição, tal como é anunciada, parece mais razoável ou, pelo menos, mais circunscrita: explorar as propriedades do mar e aplicá-las a uma agricultura subaquática sustentável. O projeto nasceu há cerca de dez anos na mente de Sergio Gamberini, então diretor da Ocean Reef, uma empresa italo-americana de venda de equipamento de mergulho. Uma noite, a meio de um jantar, um amigo desafiou-o a experimentar cultivar plantas no fundo do mar de modo a conciliar as suas duas paixões (agricultura e mergulho). Sergio Gamberini
acreditou na sua palavra. E assim começa a história da Horta do Nemo.
«A primeira experiência foi um pouco primitiva, um simples balão preso por cordas. Dez anos depois, mostrámos que era possível cultivar plantas terrestres no Mediterrâneo», diz Federico Giunto, responsável pela comunicação do projeto, agora financiado «pelo Ocean Reef Group e por fundos privados».
O desempenho técnico é muito bom, mas qual é o interesse de cultivar legumes no fundo do mar? «Para prosperar, uma planta precisa de água, luz, uma temperatura estável e um ambiente livre de pragas. O mar proporciona todas estas condições», explica Federico Giunto. «O outro grande aspeto positivo é que a Horta do Nemo pode ser reproduzida», acrescenta o porta-voz. Uma promessa nada desprezível numa altura em que as projeções demográficas mais fiáveis preveem que o número de seres humanos na Terra se aproxime dos 10 mil milhões em 2050 e que a produção alimentar terá de aumentar pelo menos 60% para responder a essa procura, segundo as previsões da ONU.
A luz do Sol
Entretanto, a Horta do Nemo tem de mostrar o que vale. Até à data, a horta assenta em vários mecanismos engenhosos. Em primeiro lugar, a luz que alimenta as plantas provém do Sol. Os raios penetram na biosfera atravessando a massa de água do mar e a película de polímero da cúpula. É preferível instalar uma horta deste tipo perto da costa para permitir que as plantas recebam luz suficiente e continuem a crescer de forma ótima. No entanto, a pressão, a temperatura e a humidade da água são variáveis e podem compensar a falta de luz. A «receita» da Horta do Nemo é uma combinação subtil destes diferentes elementos, e a equipa está atualmente a trabalhar nas melhores maneiras de os ajustar.
No interior das cúpulas a temperatura do ar é superior à da água circundante, o que permite a evaporação da água do mar que contém. «A água doce que alimenta as plantas provém da condensação desta água do mar», diz Federico Giunto. A humidade também é mais elevada, com níveis entre os 85 e 97%, muito acima do limiar de 70-75%.
Alimentados por painéis solares fixados no topo da torre de controlo da
horta, pequenos ventiladores criam um fluxo de ar que reduz a humidade ao nível das folhas das plantas. «A água é depois recolhida por um sistema hidropónico que a redistribui pelas plantas», continua o responsável pela comunicação. Este é um método de cultivo que se encontra na maioria das hortas verticais de interior, onde as plantas crescem em substratos neutros ou inertes ricos em nutrientes.
«Antes, tínhamos seis bombas para distribuir a água e cerca de setenta plantas por biosfera. Atualmente, temos apenas uma bomba e cem plantas por biosfera», explica Emilio Mancuso.
Sensores e câmaras
A horta é, portanto, autossuficiente em termos de água. É bom sabê-lo numa altura em que a agricultura é responsável por 70% do consumo mundial de água doce. Também não há necessidade de recorrer a pesticidas para estimular as culturas. Mais uma vez, a horta subaquática tem um trunfo na manga, uma vez que se estima que todos os anos são aplicados três milhões de toneladas de pesticidas agrícolas em todo o mundo.
Para monitorizar o crescimento das plantas foram instalados câmaras e sensores nas biosferas, permitindo controlar e ajustar vários parâmetros a partir de uma série de ecrãs instalados numa cabana à beira-mar. Desta forma, tudo o que acontece nas biosferas pode ser acompanhado em direto.
Numa pequena prateleira encontram-se máscaras de mergulho equipadas com um walkie-talkie incorporado: «Isto permite aos mergulhadores comunicarem entre si e com a torre de controlo, tanto debaixo de água como a partir das biosferas», diz Federico Giunto.
Afinal de contas, a manutenção exige uma certa intervenção humana nas estufas. E a colheita é feita à mão, por mergulhadores. «Colocamos tudo em sacos de plástico e depois deixamo-los subir à superfície, onde uma pessoa num caiaque os recolhe», explica o porta-voz do projeto. A uma profundidade de 6 ou 8 metros, os mergulhadores--coletores não precisam de respeitar qualquer patamar de descompressão.
Em 2012, quando o projeto foi lançado, a equipa da Horta do Nemo optou por plantar sobretudo manjericão genovês, símbolo da Ligúria, a região italiana que acolhe a horta. O sucesso da experiência convenceu a equipa a experimentar o cultivo de alface. Depois, 2015 foi um ano crucial, com a experimentação de cerca de trinta culturas (tomate, abóbora, feijão, ervilhas, tomilho, cogumelos, aloé vera...). Nem tudo correu bem, até porque a humidade era demasiado elevada, mas o projeto ganhou força. Uma década depois das primeiras experiências de cultivo já foram testadas cerca de cem variedades: «No verão de 2023 plantámos trigo – os nossos primeiros cereais! De momento, ainda são demasiado pequenos para serem colhidos, por isso ainda estamos à espera de ver como se saem», confidencia Emilio Mancuso, com uma ponta de orgulho na voz.
Com o tempo, a equipa apercebeu-se de que as plantas e os legumes crescem mais rapidamente nas biosferas do que em terra, uma vez que os níveis de dióxido de carbono são mais elevados. Outra particularidade é o facto de o sabor ser mais intenso. Em 2020, um estudo da Universidade de Pisa descobriu que o manjericão subaquático tem uma maior concentração de óleo essencial e contém mais antioxidantes do que o seu homólogo terrestre. «Estamos a trabalhar com os nossos parceiros nos setores da cosmética e da farmacologia para estudar as propriedades das nossas plantas», explica Federico Giunto.
Depois das cúpulas, os túneis?
Embora o mar proporcione alguma proteção às plantas contra inundações, secas e incêndios, a estrutura não é poupada às tempestades. Em 2019, uma dessas tempestades danificou várias biosferas.
O desafio consiste agora em exportar o projeto para outras partes do mundo antes de considerar o seu desenvolvimento à escala industrial. Para iniciar este novo capítulo da sua história, a Horta do Nemo rodeou-se de vários atores privados. Entre eles, a empresa alemã Siemens, responsável pelo fabrico de um gémeo digital das biosferas.
«A ideia é que este gémeo seja capaz de reproduzir o comportamento de um objeto na vida real. Assim, podemos melhorar ou ampliar este objeto no mundo virtual antes de o produzir no mundo real», explica Jean-Marie Saint--Paul, diretor-geral da Siemens Digital Industries France e da Siemens DI Software France.
Estão igualmente previstos ensaios sobre a conceção das esferas. No futuro, poderão assumir a forma de túneis em vez de cúpulas. Um formato mais adaptado à escala industrial «em termos de superfície de crescimento e de gestão das ondas», explica Jean--Marie Saint-Paul, e acrescenta que serão igualmente efetuados trabalhos de simulação para acompanhar melhor o crescimento das plantas: «O objetivo é tornar a biosfera mais autónoma na sua capacidade de monitorizar o estado das plantas e sinalizar quando estão maduras para a colheita.»
Outras Hortas do Nemo já foram criadas em todo o mundo mas a equipa da Ocean Reef mantém a sua localização em segredo, embora admita que está em curso uma experiência em Ohio, nos EUA. Para exportar também é preciso ter cuidado para não ser ultrapassado pela concorrência.
De modo a inventar a agricultura do futuro, outras empresas estão também a apostar nas virtudes do mar, seguindo o exemplo da GreenWave, uma organização sem fins lucrativos sediada na América do Norte, que cultiva algas e marisco em andaimes subaquáticos. Por sua vez, a Sea6 Energy, sediada em Bangalore, criou um trator mecanizado capaz de plantar e colher algas no fundo do mar. Estes projetos, tal como a Horta do Nemo, estão ainda muito longe da escala industrial. Por isso, vai ter de esperar um pouco mais para comer um tomate subaquático.
Uma das mergulhadoras da equipa relaxa no cenário único da Horta do Nemo depois da sua sessão de trabalho.
O mergulhador Luca Gamberini inspeciona as plantas e a estrutura de uma das esferas subaquáticas.
Grande plano de culturas experimentais, incluindo tabaco, que podem ser utilizadas para desenvolver vacinas.