Mudança da Hora

MUDANÇA DA HORA


PORQUE É QUE O NOSSO CORPO NÃO GOSTA DA MUDANÇA DA HORA


Duas vezes por ano, quando chegamos à primavera e quando voltamos ao outono, temos mais tendência para sentir sonolência, depressão e acidentes.


Teresa Carr 



NO VERÃO DE 2017, QUANDO O PROFESSOR DE COMUNICAÇÃO JEFFERY GENTRY SE MUDOU DO OKLAHOMA PORQUE ACEITOU UM CARGO NUMA UNIVERSIDADE DO LESTE DO NOVO MÉXICO, FICOU AGRADAVELMENTE SURPREENDIDO POR LHE SER MAIS FÁCIL LEVANTAR-SE DE MANHÃ.



A diferença, apercebeu-se, era a luz matinal. Nas manhãs de setembro em Portales, no Novo México, Jeffery levantava-se com o Sol, por volta das 06h30, mas a essa hora do dia em Oklahoma ainda estava escuro.

À medida que a Terra gira, o Sol atinge primeiro o limite oriental de um fuso horário, com o nascer e o pôr do Sol a ocorrerem progressivamente mais tarde à medida que nos deslocamos para oeste. A mudança de Jeffery levou-o do lado ocidental da hora central em Oklahoma para o lado oriental da hora das montanhas. Dando seguimento à sua curiosidade na literatura científica, descobriu o campo da cronobiologia, o estudo dos ritmos biológicos, tais como a forma como os ciclos de luz do dia e de escuridão afetam os seres vivos. «De facto, acabei por tropeçar nele por ter sido a cobaia da minha própria experiência», afirma.

Em 2022, Jeffery e uma equipa interdisciplinar de colegas fizeram crescer esse corpo de investigação ao publicarem um estudo na revista Time & Society que mostrava que a taxa de acidentes fatais com veículos motorizados era mais elevada para as pessoas que viviam no extremo oeste de um fuso horário, onde o Sol nasce e se põe pelo menos uma hora mais tarde do que no lado oriental. A investigação em cronobiologia mostra que a luz noturna mais prolongada pode manter as pessoas acordadas até mais tarde e que, tal como Jeffery Gentry descobriu, a escuridão matinal pode dificultar a ida para o trabalho ou a escola. A equipa teorizou que as pessoas da orla ocidental podem sofrer mais acidentes de viação mortais porque se deslocam no escuro, sem dormir e sem estarem por completo alerta. 

Os investigadores do tempo defendem este ponto, e os resultados dos estudos e as sondagens de opinião pública refletem-no. Há algo de errado na forma como marcamos o tempo. Esses problemas começam com a alternância anual entre a hora padrão (ST) e a hora de verão (DST).

Sondagem após sondagem, a maioria das pessoas concorda que não gosta de mudar os relógios para trás e para a frente com a estação do ano. No entanto, a questão de saber se se deve manter a hora padrão ou a hora de verão durante todo o ano leva mais uma vez as pessoas a optarem por campos diferentes.


Os cientistas defendem geralmente a hora padrão permanente, ou hora natural, como alguns lhe chamam, porque alinha melhor os horários das pessoas com o Sol durante todo o ano. «As pessoas que estudam a questão estão todas de acordo», diz Jeffery Gentry.


Por outro lado, a opinião pública tende a favor do horário de verão permanente – e muitos políticos concordam –, talvez devido às associações positivas com o Sol de verão. (Um projeto de lei para fazer essa mudança foi aprovado por unanimidade no Senado dos EUA em 2022, mas depois parou na Câmara; uma nova versão foi recentemente reintroduzida.)


Alguns cientistas responderam que a medida seria um erro grave: o jornal alemão Die Welt citou o cronobiólogo pioneiro e investigador do sono Till Roenneberg, que alertou para o facto de a hora de verão permanente tornar os europeus dicker, dümmer und grantiger (mais gordos, burros e rabugentos).

O conflito entre a hora de verão e a hora padrão faz títulos de primeira página. Mas a investigação revela incertezas não só sobre os efeitos da mudança dos relógios, mas também sobre outros fatores, como a forma como a estruturação dos nossos horários em função da luz e da escuridão pode ter um impacto profundo na saúde e segurança.


O ciclode vinte e quatrohoras de luz e escuridão criado pela rotação da Terra é a força que rege as nossas vidas. A aurora rosada de Homero é aquilo a que os cronobiólogos chamam um zeitgeber, ou seja, um sinal natural que desencadeia processos cíclicos no corpo que regem os nossos relógios internos. A luz da manhã, por exemplo, faz com que o corpo aumente a produção de cortisol, uma hormona que ajuda a sentirmo-nos acordados e alerta. Entretanto, à medida que o cortisol vai diminuindo ao longo da noite, a escuridão desencadeia a hormona melatonina, que promove o sono. 


Na linguagem dos cronobiólogos, os ritmos dos relógios biológicos dos seres humanos e de outros animais são controlados, ou determinados, pelo relógio solar. Os seres humanos criaram esquemas como os fusos horários e o horário de verão para otimizar as suas interações com estes ciclos naturais de luz e escuridão. Mas a correspondência entre a política do tempo e os zeitgebers é muitas vezes imperfeita.

Quando adiantamos os relógios com o horário de verão na primavera, muitas pessoas têm de se levantar subitamente para ir para a escola ou o trabalho antes de a luz ter iniciado os processos fisiológicos associados à vigília. Os níveis de cortisol atingem o pico cerca de uma hora mais tarde durante o horário de verão, de acordo com um estudo australiano de 2014. Depois, no outro extremo do dia, as pessoas podem ter de ir para a cama antes de as horas de escuridão terem sinalizado ao corpo que está na altura de dormir.

A mudança abrupta, em particular para o horário de verão na primavera, pode provocar danos na nossa saúde e segurança. Num comentário de 2020 para o JAMA Neurology, Beth Malow e os colegas da divisão do sono do Centro Médico da Universidade de Vanderbilt apresentaram provas dos efeitos negativos para a saúde durante a transição para a hora de verão, incluindo menos tempo sono e de pior qualidade, risco acrescido de acidente vascular cerebral e ataque cardíaco e diminuição da sensação de bem-estar, em particular nas pessoas que trabalham a tempo inteiro.

Além disso, embora a investigação sobre a segurança rodoviária seja heterogénea, alguns estudos revelam aumento dos acidentes de viação e das mortes nos dias que se seguem à mudança para a hora de verão. No entanto, estes efeitos negativos são efémeros. 


O impacto a longo prazo da hora de verão é difícil de investigar porque a quantidade de luz solar muda com as estações do ano. Apenas um estudo comparou diretamente a hora padrão permanente com a hora de verão permanente: um estudo de sete anos, com estudantes entre os 10 e os 24 anos que viviam no noroeste da Rússia, quando o governo obrigou a uma mudança da hora de verão sazonal para a hora de verão anual em 2011 – e depois mudou novamente para a hora padrão permanente em 2014.


O horário de verão permanente significava que o Sol nascia e se punha mais tarde no inverno. Os resultados publicados em 2017 associaram a DST durante todo o ano a uma maior probabilidade de se sentir deprimido no inverno, bem como de dormir mais tarde aos fins de semana, um fenómeno conhecido como jet lag social. O cronobiólogo Roenneberg e os seus colegas cunharam o termo há quase duas décadas para descrever a privação crónica de sono que as pessoas experimentam quando têm de se levantar para ir para a escola ou o trabalho antes de acordarem naturalmente.

«O jet lag social é o termo genérico para a incapacidade de viver em sincronia com o nosso tempo biológico», diz Roenneberg. É um artefacto do nosso mundo moderno. Quase metade dos adultos americanos dorme, pelo menos, uma hora até mais tarde quando tem oportunidade, de acordo com um estudo publicado no JAMA Network Open em 2022. Outros associaram o jet lag – e a privação de sono que reflete – ao tabagismo e ao consumo de maiores quantidades de álcool e cafeína, bem como a uma série de efeitos nocivos para a saúde, incluindo obesidade, síndrome metabólica (um grupo de condições de saúde que aumentam o risco de doença cardíaca, acidente vascular cerebral e diabetes tipo 2) e depressão. Há também estudos que associam o jet lag social a um pior desempenho académico dos estudantes do ensino secundário e superior.

Numa análise exaustiva, Roenneberg e os colegas argumentam que, ao adiar o nascer e o pôr do Sol uma hora, o horário de verão permanente pode agravar o jet lag social. Mas o estudo russo é a única prova direta dessa ligação, e é incerto se esses efeitos, que os investigadores russos caracterizam como «pequenos ou muito pequenos», se aplicam a grupos etários mais velhos ou a pessoas que vivem onde os ciclos de luz e escuridão são menos extremos. Em Vorkuta, uma das três cidades do estudo, por exemplo, o Sol nunca nasce durante dez dias no inverno e nunca se põe durante seis semanas no verão.


AS SONDAGENS MOSTRAM QUE, de um modo geral, não gostamos de mudar a hora duas vezes por ano. Quase dois terços dos americanos dizem que querem eliminar a mudança da hora, de acordo com um inquérito nacionalmente representativo a 1500 adultos americanos realizado pela revista The Economist e pela empresa de estudos de mercado YouGov em 2021.


O horário de verão permanente goza de apoio bipartidário entre muitos líderes políticos nos Estados Unidos. Num documento de apoio ao Sunshine Protection Act, o senador Marco Rubio, R-Fla, cita provas de que o horário de verão promove a saúde, a segurança, o lazer, o comércio e a poupança de energia. No entanto, alguns desses estudos centram-se nos malefícios da mudança de horário, pelo que também podem ser utilizados para apoiar o horário de verão durante todo o ano. 

Um relatório de 2020 do Serviço de Investigação do Congresso, preparado para os membros do Congresso dos EUA, não encontrou provas substanciais de que o horário de verão melhore a saúde e a segurança ou que reduza muito o consumo de energia, se é que o faz. 


Por outro lado, a organização sem fins lucrativos Save Standard Time (Salvem a Hora Padrão) apresenta uma lista de apoios de mais de 30 organizações médicas e de ciências do sono – incluindo a Academia Americana de Medicina do Sono, a Associação Médica Americana e a Academia Americana de Neurologia, entre outras –, além de cientistas e investigadores individuais. 


A última vez que foi aplicado o horário de verão permanente, não correu bem. Na tentativa de conservar energia, o Congresso estabeleceu um período experimental de horário de verão durante todo o ano no final de 1973. Mas a aprovação pública caiu vertiginosamente à medida que os americanos enfrentavam a realidade das manhãs escuras de inverno. Em outubro de 1974, o país tinha regressado a quatro meses de DST anual. 

A desconexão entre a perceção e a realidade surge devido à forma como pensamos e falamos sobre as estações do ano e as mudanças de hora, diz Beth Malow, que testemunhou perante o Congresso sobre os benefícios da hora padrão permanente. 

«As pessoas associam a hora normal ao frio, inverno e escuridão», diz. Entretanto, a «primavera» coincide com o regresso de dias mais quentes e mais compridos. Mas, como é óbvio, a hora de verão não nos dá mais luz. Os dias de inverno são curtos e os dias de verão são longos, independentemente de como se marca o tempo. 


O focoem questões como o horário de verão e os fusos horários, segundo alguns investigadores, pode fazer esquecer outra parte fundamental do puzzle da política do tempo. Neste mundo iluminado artificialmente, os nossos relógios internos são afetados por muito mais do que o nascer e o pôr do Sol. Não há dúvida de que o Sol é o mais forte zeitgeber, mas a luz artificial também afeta os nossos relógios internos, afirma o investigador do sono, Derk-Jan Dijk, que rejeita a ideia de que os seres humanos estão ligados apenas ao Sol como uma ideia romântica. 

«Em grande medida, divorciámos os nossos horários de atividade do ciclo natural de luz e escuridão», refere. 


Um conjunto de investigações mostra que mesmo a luz fraca pode suprimir a produção de melatonina e atrasar o sono. A luz azul das lâmpadas fluorescentes e dos omnipresentes ecrãs, que tem o comprimento de onda mais curto e energia mais elevada da luz que o olho humano consegue ver, tem um efeito particularmente poderoso nos ritmos circadianos: demasiada luz azul à noite pode levar a problemas de sono, concentração e humor, e ao aumento do risco de cancro, depressão e diabetes. 


Derk-Jan Dijk sente-se frustrado com o facto de a atenção dada à hora de verão não se centrar em questões mais difíceis sobre o ambiente construído e a forma como escolhemos viver e trabalhar. 



«A questão mais geral é como é que nós, na verdade, estabelecemos os nossos horários de trabalho e os horários sociais, que basicamente determinam até que ponto utilizamos a luz natural ou a luz artificial», afirma. Porque não há dúvida de que alinhar os horários de sono e de trabalho com a luz que está disponível gratuitamente seria, em última análise, melhor para nós. 


Share by: