SALVAR A PALANCA GIGANTE

Salvar a Palanca Gigante


O biólogo Pedro Vaz Pinto tem a missão de fazer com que este antílope de Angola com os chifres enrolados escape à extinção.



Ashley Stimpson

de Atlas Obscura






O macho de palanca-negra-gigante chegou pendurado num helicóptero amarelo brilhante, com os chifres de 130 centímetros curvados até aos flancos. Quando apareceu, as centenas de pessoas que estavam à espera para saudar o enorme antílope na fronteira de erva seca da Reserva Natural Integral do Luando, em Angola, não contiveram as lágrimas, as canções, o riso e a dança. 

Para o povo angolano, a palanca-negra-gigante é um símbolo nacional reproduzido em tudo, desde as camisolas dos futebolistas aos selos de correio. Mas este animal em particular representava algo ainda maior – esperança. 

Depois de o piloto do helicóptero ter pousado com destreza o antílope adormecido no chão, um grupo de guardas de natureza e cientistas fizeram-no rolar para uma maca. Enquanto dúzias de pessoas içavam a maca para o interior de outro helicóptero maior, a multidão avançou. Algumas tentavam dar uma última olhadela, outras tinham esperança de poderem abraçar ou apertar a mão do biólogo de cabelo encaracolado Pedro Vaz Pinto, que estava ali perto de pé, com um olhar um pouco atónito devido à incredulidade. De algum modo, e contra todas as probabilidades, tinha acabado de liderar uma equipa para localizar, sedar e transportar o macho de 250 quilos. Iria viajar mais 100 quilómetros para norte, até ao Parque Nacional de Cangandala, onde ele e nove fêmeas de palanca-negra-gigante iriam formar o primeiro programa mundial de reprodução em cativeiro para o animal quase extinto. 


«Foi um momento absolutamente mágico», diz Vaz Pinto com um sorriso incrédulo enquanto se lembra daquele dia do verão de 2009. Embora tenha desfrutado de muitos momentos mágicos durante a sua missão de vinte anos para salvar o característico ungulado, o futuro da criatura continuava incerto. 


Apalanca-negra-gigante encontra-se no interior quase selvagem de Angola, quando pode ser encontrada. Nenhum estrangeiro viu uma até 1916 – mais de quatro séculos depois de os exploradores portugueses terem chegado às costas de Angola – e não foi por não tentarem. 

O antílope é notoriamente fugidio e também gozava da discrição dos povos Lwimbi e Songo, que muitas vezes negavam a sua existência aos forasteiros e deliberadamente enganavam os caçadores de troféus que tentavam apanhar a palanca-negra-gigante, de acordo com o livro A certain Curve of Horn do jornalista John Frederick Walker. Para os habitantes locais a criatura era um totem, e a ponta dos seus chifres um portal para o mundo dos espíritos. Walker descreve-a como «quase heráldica na sua majestade, mais como um orgulhoso animal lendário do que tudo neste mundo». 

Mas nem a palanca-negra-gigante foi poupada à carnificina brutal dos vinte e sete anos de guerra civil em Angola. No início da década de 1970, antes do conflito, estimava-se que 2000 palancas-negras-gigantes habitavam nas duas reservas do país, a Reserva Natural Integral do Luando e o Parque Nacional de Cangandala. Quando a guerra finalmente terminou em 2002, ninguém sabia se ainda sobrava alguma. 

«Ninguém conseguia dar-me a certeza», refere Vaz Pinto, que voltou à sua Angola natal vindo de Portugal no final da guerra. Tinha conseguido trabalho como ecologista no Parque Nacional de Quiçama, mas a curiosidade sobre o estado da palanca-negra-gigante não o largava. «Para um biólogo que gosta de uma aventura, era demasiado para ignorar.» 


Vaz Pinto decidiu fazer algum trabalho de reconhecimento. Em 2004, colocou câmaras ativadas por movimento em árvores do Parque Nacional de Cangandala, perto de ninhos de térmitas, onde as palancas-negras-gigantes – herbívoros de pastagem – poderiam ir para comer a terra rica em sódio. Como não tinha ninguém para revelar as fotografias, o biólogo enviava os rolos para a mãe, em Portugal. 


Um dia, depois de um ano de esforços, ela ligou-lhe com notícias promissoras. «Ela disse: “Há muitos animais castanhos nesta”», lembra Vaz Pinto a rir. Pediu-lhe que fosse mais específica. «Castanho, meio avermelhado?», tentou ela de novo. Teve de esperar uma angustiante semana até receber as fotografias por correio. Quando chegaram, o biólogo soube que estava a olhar para a primeira fotografia de uma palanca-negra-gigante em cerca de três décadas. Com provas de que o animal tinha resistido, Vaz Pinto garantiu os fundos públicos e privados para estabelecer o projeto de Conservação da Palanca-Negra-Gigante. «Pensei que ia ser fácil», afirma. «Pensei que haveria mais.» 

Em vez disso, fotografias subsequentes mostraram os mesmos nove animais, sugerindo que a palanca-negra-gigante mal subsistia. O maior motivo de preocupação era que não parecia haver um macho no grupo. 

Outra coisa nas fotografias começou a preocupá-lo. «Alguns animais tinham um ar esquisito», diz. «Tinham as orelhas caídas e o focinho apalhaçado.» 

Começou a seguir a manada a pé e, quando se aproximou dela, os seus piores receios confirmaram-se. No meio do harém de fêmeas havia um macho de palanca-vermelha, uma espécie completamente diferente de antílope. Sem um macho de palanca-negra-gigante, as fêmeas acasalavam com a palanca-vermelha e estavam a gerar híbridos. Vaz Pinto sabia que, com apenas uma mão-cheia de palancas-negras-gigantes puras, a hibridização iria condenar o animal à extinção em pouco tempo. «O céu caiu-me em cima da cabeça», confessa. 


Para a minúscula população de Cangandala sobreviver, Vaz Pinto não precisava apenas de separar as fêmeas puras das híbridas, mas também de lhes dar um macho de palanca-negra-gigante. 

O biólogo não tardou a conceber um plano ambicioso: iria recrutar toda a ajuda que pudesse e construir um cercado com 44 quilómetros quadrados no Parque Nacional de Cangandala. Entretanto, iria em busca de um macho na Reserva Natural Integral do Luando, ali perto, onde as palancas-negras-gigantes costumavam vaguear. Se tudo corresse de acordo com os planos, no verão de 2009 a equipa de Vaz Pinto iria mudar as nove fêmeas e um macho ainda por encontrar por helicóptero para o cercado em Cangandala. 


Com a ajuda dos guardas de natureza, Vaz Pinto começou a recolher e a testar excrementos em busca de provas da existência de palancas-negras-gigantes na Reserva do Luando. Um mês antes de o grupo ter marcado a sua missão de translocação, chegou uma amostra de ADN positiva para palanca-negra-gigante. 

Vaz Pinto ficou radiante por a espécie ainda existir na reserva, mas

localizar os animais não iria ser uma tarefa simples. E então, quando mais precisava, Vaz Pinto teve outro desses momentos mágicos. No primeiro dia da missão de translocação, sem quaisquer outras pistas para seguir, o grupo iniciou a busca aérea pela palanca no local onde o excremento tinha sido recolhido. Quando lá chegou havia um macho no local, como se soubesse da sua vinda. Morkel sedou o animal com um tranquilizante e o grupo apressou-se a colocar-lhe um GPS. 

Um par de semanas mais tarde, depois de as fêmeas terem sido mudadas para o cercado uma a uma, o grupo voltou a voar para Luando para recolher o macho. Como o animal só podia ser suspenso pelas pernas durante um curto período de tempo, a equipa fez uma paragem para transferir o animal para um helicóptero maior, dando aos habitantes locais tempo para uma festa de despedida improvisada. 


Nos anos que, entretanto, passaram, a população cativa encontrou diversos desafios, incluindo a inesperada infertilidade de algumas fêmeas e um macho agressivo que se juntou ao cercado, levando à morte de outro macho de palanca-negra-gigante em 2011. O financiamento, lamenta Vaz Pinto, tem sido uma luta constante, em particular durante a pandemia, quando os doadores empresariais retiraram o apoio. Mas, em geral, a manada tem crescido. Hoje Vaz Pinto calcula que há mais de 100 palancas-negras-gigantes no Parque Nacional de Cangandala. «Tem sido um sucesso espetacular», diz, embora reconheça que a espécie ainda está perigosamente ameaçada. Entre as populações de Cangandala e Luando, apenas restam 300. 

Para Vaz Pinto, que nunca teve intenção de dedicar duas décadas da sua vida à palanca-negra-gigante, o seu papel na sobrevivência da espécie é ao mesmo tempo uma honra e uma obrigação, mas admite que anseia por outra aventura. 


«Quero ficar ligado à palanca-negra-gigante para sempre», confessa. «Mas de certa forma, sinto-me como um médico da unidade de cuidados intensivos ansioso por dar alta ao paciente, porque significa que o trabalho está feito e o paciente pode seguir em frente.» 

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