QUELUZ

QUELUZ

Uma casa de campo...

 


Queluz é hoje um grande subúrbio de Lisboa, e foi outrora arrabalde estimado da fidalguia lisboeta. D. Cristóvão de Moura, 1.º marquês de Castelo Rodrigo e grande apoiante da causa de Filipe II na crise dinástica de 1580, mandou construir lá uma casa de campo. Os bens que seu filho e herdeiro possuía em Portugal foram confiscados e reverteram para a Coroa depois da Restauração. Foram depois incorporados na Casa do Infantado, criada em 1654 para custear as casas dos infantes filhos segundos dos reis de Portugal. Foi por essa via que chegou ao poder do infante D. Pedro, filho de D. João V e irmão do rei D. José. Esse infante casou com D. Maria, sua sobrinha, que, por morte de D. José, lhe sucedeu no trono português. O edifício ficou desse modo ligado à realeza. D. Pedro, que pelo casamento ficou rei consorte, mandou fazer muitos trabalhos, modificando o já existente e construindo muitas dependências de novo. No seu conjunto, o Palácio de Queluz reflecte os ideais estéticos dominantes em Portugal no primeiro quartel do século XVIII, com muita influência francesa e alguma imitação de Versalhes. É acertada e feliz esta síntese que a Dr.ª Natália Correia Guedes faz no seu belo livro, O Palácio dos Senhores do Infantado: «Palácio de Infantes e de Reis impôs-se à sociedade artística dos finais de setecentos; nos seus elementos constitutivos diversas origens se encontravam – os espíritos francês, germânico e italiano neles se podiam distinguir, combinados sabiamente com elementos já tradicionais em Portugal.»


Depois do casamento, D. Pedro e D. Maria residiram habitualmente em Queluz. Na corte dominava inteiramente o marquês de Pombal, que sabia que o principesco casal de Queluz não se contava no número dos seus admiradores. Pelo contrário, D. Pedro partilhava da mentalidade da alta nobreza, e D. Maria também tinha graves motivos para detestar o estadista, que chegou a planear o seu afastamento do trono. Mas D. Pedro era homem pouco culto, nada ambicioso, tardo, indolente. Dizia-se que recebia muitos pedidos de recomendação, mas que não sabia como se recomendava alguém. Perguntou, e explicaram-lhe que bastava dizer que o recomendado F. era capaz e idóneo para o lugar que pretendia. Ele passou a dizer: «F. é capazidónio.» Daí a alcunha de Capacidónio que lhe ficou.


Com esse feitio, nunca se meteu na política, mesmo depois de a sua mulher ser rainha. É possível que a esse carácter mole e sem fibra se deva o facto de Pombal ter aprovado o seu casamento com a futura rainha, em 1760. No mesmo ano, obrigou a homiziar-se um jovem, belo e talentoso pretendente, de quem se diz que a rainha gostava muito: D. João Carlos de Bragança, neto do rei D. Pedro II. Pombal não lhe permitiu que assumisse o título de duque de Lafões, a que tinha direito. Viveu no exílio até à queda do marquês; voltou então a Portugal e foram-lhe restituídas todas as honras e títulos a que tinha direito. Foi ele o fundador da Real Academia das Ciências de Lisboa. Ocupou cargos no governo e foi até «ministro assistente ao despacho» de D. Maria I.


Todas as atenções de D. Pedro, quer como infante, quer como rei consorte, iam para Queluz. Ali aplicou todos os rendimentos do Infantado, que eram grandes, mas foram insuficientes para a conclusão das obras, que exigiram um pesado encargo da Fazenda Real. Comprou algumas quintas adjacentes e formou um espaço vasto que continha zona agrícola e luxuosos jardins ao gosto da época. O arquitecto português Mateus Vicente de Oliveira e o escultor francês João Baptista Robillon foram incumbidos de, na base das antigas construções, edificarem um novo palácio, rodeado de feéricos jardins. As obras prolongaram-se desde 1775 até 1786, data da morte de D. Pedro. Mas a rainha D. Maria I afeiçoara-se ao local, e em 1794 mandou construir um novo corpo do palácio, onde passou a residir. Sob a direcção de um outro grande arquitecto português, Inácio de Oliveira Bernardes, foi construído um teatro real onde se fizeram os grandes festejos da corte, até que D. Maria adoeceu sem remédio.


A residência oficial da família real era no Palácio Velho da Ajuda, mandado erguer por D. José a seguir ao terramoto, mas um grande incêndio que destruiu o edifício obrigou à mudança para Queluz. Ali esteve a sede oficial da corte portuguesa até 29 de Novembro de 1807, data em que a família real, o pessoal da corte e grande número de fidalgos e altos funcionários se transferiram para o Brasil para evitar as graves consequências políticas que necessariamente se seguiriam à ocupação da capital pelo exército francês.

O comandante da força invasora instalou-se em Queluz, onde mandou pintar a seu gosto algumas salas e fazer outras pequenas obras. Durante o período das invasões, Napoleão Bonaparte pensou em vir à Península Ibérica, onde os seus exércitos se encontravam em grandes dificuldades, e para isso foram preparados aposentos no Paço Real de Queluz. O imperador desistiu depois desse projecto. Foi na Península que a epopeia militar napoleónica conheceu os primeiros graves reveses. O palácio serviu, por vezes, de aquartelamento a tropas francesas e depois a forças inglesas, com as depredações inevitáveis.


Quando D. João VI e a corte, forçados pelo decreto do Soberano Congresso Liberal, tiveram de regressar a Portugal, em 1821, o rei voltou a habitar em Queluz. 


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Em Queluz, nasceram D. Pedro IV, primeiro imperador do Brasil, D. Miguel, seu antagonista na grande crise nacional de 1828-1834, e a infanta D. Isabel Maria, que foi regente de Portugal entre 1826 e 1828. D. Miguel, ao regressar do seu exílio em Viena, instalou-se em Queluz e vinha às quintas-feiras a Lisboa, ao Palácio da Bemposta, dar audiência pública. D. Pedro, depois da vitória liberal, quis ir morrer a Queluz no mesmo quarto em que tinha nascido. O óbito ocorreu em 24 de Setembro de 1834.


Sucedeu-lhe no trono D. Maria II, que casou com D. Fernando de Saxe-Coburgo. Este príncipe enamorou-se de Sintra, onde comprou o Convento dos Frades Jerónimos, na Pena, e onde construiu o palácio de férias que passou a ser predilecto da realeza.


O Palácio de Queluz ficou assim semiesquecido durante anos. As ervas cresciam nos jardins e as salas exigiam conservação. Era propriedade da Casa Real, mas o rei D. Manuel II, para assegurar a sua conservação, doou-o ao Estado Português. Com a República foram lá instalados serviços públicos, como uma escola agrícola, uma escola primária e um quartel, mantendo-se, porém, aberto ao público o corpo central do palácio.


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Pequeno excerto retirado de "Lugares Históricos de Portugal" do Prof. José Hermano Saraiva


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