DOURO - AS RUGAS DA PAISAGEM

Douro

As rugas da paisagem

   

São 500 quilómetros de muros de xisto, construídos a pulso e dor, que sustentam os socalcos da vinha. Muita da recuperação e restauro desses muros com tantos metros acrescentados já foi obra das duas décadas em que houve um olhar atento da UNESCO para celebrar o lugar sem feridas na paisagem.




Diz-se que, quem vê Portugal do espaço (e foram poucos a ter esse privilégio), o que distingue, além do mosaico habitacional das grandes cidades e do serpentear de rios, são duas regiões que se destacam à primeira vista lá de cima: a mancha de água do Alqueva e as linhas simétricas dos socalcos do Douro, como se fossem rugas na face da terra. Desenhos a traço fino nesse equilíbrio que parece plano visto de cima, como uma folha desenhada, mas com os pés bem assentes na poeira e no xisto, percebe-se o declive acidentado, a íngreme vontade que nos faz refletir sobre o que levou o homem a desafiar tão duras montanhas, fazendo dali, na secura da pedra negra, poiso para a primeira etapa do mais precioso néctar, o vinho do Porto. O que se sente e percebe da contemplação desta paisagem que esmaga quem chega e vê pela primeira vez, é o esforço de gerações a conquistar e dominar a Natureza, o que resulta na majestosa escultura natural dos lugares. Tão equilibrados que até parece um feito fácil da engenharia e do saber do povo.


O Douro Vinhateiro é uma zona extensa e acidentada com gente rija e sobrevivente que, por resiliência sábia, soube preservar (muitas vezes sem alternativa de existência) a mais antiga e regulada região demarcada do mundo, assim foi declarada por decisão do Marquês de Pombal em 1756. 

É este Douro sublime e único, o Alto Douro Vinhateiro, que celebra vinte anos como Património Mundial da UNESCO. A classificação protege e promove essas rugas da paisagem, e também valoriza muitas outras particularidades que agora estão resguardadas da intervenção humana, tantas vezes desordenada sem remédio para o mal feito.

O Douro de hoje não é o mesmo de há duas décadas, quando se sentiu o orgulho em celebrar toda esta vasta área como Património Mundial. A paisagem mudou, e para melhor. Quem acompanhou a região durante estes anos, constata que se assiste à maior reestruturação de toda a cultura da vinha, as gentes durienses percecionaram a importância do seu património. É uma população a precisar de renovação porque a mão-de-obra escasseia, ainda há memória dos tempos duros para quem ali vivia, em particular na primeira metade do século passado. Sem grande esforço de memória, há vinte anos, quando foi declarado região Património da Humanidade, o Douro Vinhateiro era longínquo para a maioria das pessoas, o resto do país ficava afastado e já se tinha dobrado o milénio. De Lisboa ao Douro superior eram, pelo menos, sete ou oito horas de carro entre curvas e contracurvas, atravessando um país inteiro. O Porto era mais perto, mesmo assim poderia demorar até quatro horas de carro seguindo terra adentro. Tudo mudou, foi traçada a A4 e a A24, que aproximaram todos os pontos de partida em direção ao Douro, uma boa rede viária que ficou concluída em 2016 com a abertura dos quase 6 quilómetros do túnel do Marão, o maior da Península Ibérica. 


TURISMO, MEMÓRIA E QUALIDADE

Alinha do Douro terá sido um dos maiores desafios das obras públicas realizadas no século xix. Entre túneis, pedregulhos e declives íngremes, o comboio correu 100 anos lado a lado com a extensão do rio e foi essencial para o escoamento dos produtos da terra e a aproximação desses lugares mais distantes, tendo chegado a Barca d´Alva ao fim de dois anos de construção trabalhosa e dura (entre 1875 e 1877). 

Hoje, o traçado ainda desenha a paisagem, ainda passam os comboios ao longo do dia, mas alguns troços foram desativados, como o segmento entre o Tua e Cachão (já encerrado desde 2008), na sequência da construção da barragem do Vale do Tua, obra polémica que chegou a pôr em risco a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial. 

Os durienses reclamam ainda o regresso das máquinas à velha Linha do Corgo (que até 2009 ligava Vila Real a Peso da Régua). Das imagens mais românticas das velhas máquinas a vapor, cujo apitar ecoava pelos altos muros naturais de granito e xisto da paisagem, sempre com aqueles rolos de fumo que se diluíam no ar. No Douro continuam a reclamar a velha ligação entre Pocinho e Barca d’Alva, o curto e único troço ferroviário de apenas 28 quilómetros encerrado desde 1988. A sua possível reabertura e recuperação está a ser repensada a partir de estudos coordenados pela CCDR-N. Para o Ministério da Coesão Territorial, a recuperação do comboio entre o percurso de Pocinho a Barca d’Alva foi já assinalada como de importância estratégica para a região e o País. 

São imagens que encantam ver, a exploração como polo de atração turística, o comboio histórico do Douro. O turismo, sem dúvida um dos maiores dinamizadores e promotores económicos da região, não tem conseguido, no entanto, fixar a população; os mais jovens que ficam acabam por ligar-se à sazonalidade do turismo e não ao trabalho da vinha. O «turismo do Porto e Norte» tem vindo a desenvolver um trabalho de divulgação do Douro que já se faz sentir na distribuição de visitantes ao longo do ano, sendo que a concentração maior é sempre nos picos do verão e das vindimas. 



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