KEVIN COSTNER
e a secretária portuguesa
Mário Augusto
O ator e realizador norte-americano voltou a calçar as botas de cowboy e lançou-se na aventura de fazer Horizon: Uma Saga Americana, um filme em quatro segmentos sobre a colonização do Oeste americano. Depois das negas de estúdios de Hollywood, hipotecou a casa para ter financiamento. As duas primeiras partes já estão no cinema. O jornalista Mário Augusto dá-nos a conhecer a carreira de um dos grandes nomes do cinema norte-americano.
Tenho que confessar que não sou grande fã da cidade de Los Angeles. Esmaga quem não se encanta e a descobre. Os 70 quilómetros de planície urbanizada são esmagadores e como que intimidam quem nunca lá passa mais de quatro ou cinco dias, por muitas visitas que já tenha feito.
Não morro de amores pela cidade, mas fui despertando a curiosidade porque já a visitei dezenas de vezes. Tivesse eu tempo e, por cada uma dessas deslocações, haveria sempre motivos de reportagem, quanto mais não fosse porque há portugueses ou luso-descendentes por toda a parte, desde logo a história de um dos primeiros habitantes europeus da cidade, o minhoto António José Rocha... mas essa é outra longa história. Neste quase lugar-comum sobre a nossa diáspora, a Califórnia, a cidade de Los Angeles e o próprio mundo do cinema norte-americano não constituem exceção. Tive a prova disso no segundo ano em que acompanhei os Óscares, graças a um episódio que se cruza com Kevin Costner, o realizador e ator de Danças com Lobos, que me foi apresentado não numa entrevista formal, como é hábito, mas na simplicidade do seu escritório, sem caracterização nem condicionalismos de qualquer espécie. Enfim, em pose de andar por casa.
Tudo começou numa anterior viagem a Nova Iorque, quando soube através de um jornal português de Nova Jérsia que a secretária de produção do famoso ator e realizador era uma portuguesa de gema, de seu nome Maria Manuela Machado, nascida nas Caldas da Rainha e a viver na América desde criança. Contactei então a TIG Productions, de Jim Wilson e Kevin Costner, dois velhos amigos e antigos colegas na mesma escola de Gestão e Marketing que criaram esta empresa conjunta com o objetivo de escrever o argumento, fazer a montagem financeira e, essencialmente, assegurar o controlo da produção de Danças com Lobos.
Numa consulta ao jornal Hollywood Reporter, fiquei a saber que os escritórios se localizavam nos estúdios da Warner Brothers. Telefonei e… «bingo»! Do outro lado da linha atendeu-me Maria Machado, num português já atraiçoado por inúmeras palavras em inglês, conversando brevemente comigo como se já me conhecesse e soubesse exatamente a razão do meu contacto. Só mais tarde viria a perceber porquê…
Nos estúdios de Burbank, num escritório profusamente decorado com adereços e antiguidades dos índios norte--americanos que haviam sido utilizados na produção do filme, recebeu-me com enorme simpatia. Seguiu-se uma visita guiada e a apresentação aos patrões Kevin Costner e Jim Wilson. Naquela conversa de ocasião, Costner contou-me que estava a fazer a pré-produção de um «western épico». Esse primeiro encontro foi há anos e ele já falava do filme que quer deixar como o seu grande testamento cinematográfico de homenagem ao velho Oeste e a sua conquista na expansão americana, a série de filmes Horizon, e os primeiros dois estrearam agora nos cinemas.
Maria Machado – portuguesa das Caldas da Rainha que chegou a Los Angeles vinda de Nova Jérsia e que já tinha o seu nome inscrito nas fichas técnicas dos filmes como produtora delegada – viria até a ter direito aos seus fugazes segundos de fama participando como figurante numa cena de saloon do filme Wyat Earp.
Numa dessas idas já distantes aos escritórios da TIG Productions, conversei com Maria num dos bares dos estúdios para funcionários da Warner. Na mesa ao lado, no meio de executivos devidamente engravatados, vislumbrei Clint Eastwood, provavelmente a tratar de negócios uma vez que a Warner é o estúdio que detém a exclusividade para a produção e distribuição dos seus filmes. Porém, a estrela que me interessava nesse dia não era o velho cowboy solitário, mas a portuguesa que me surpreendeu ao dizer que já sabia que viria alguém de muito longe para lhe fazer uma entrevista… e, efetivamente, eu tinha acabado de fazer cerca de 10 mil quilómetros para falar com ela, tal como lhe havia sido revelado por um «guru» que Maria consultava habitualmente e lhe servia de guia espiritual. Enfim, esoterismos típicos de Hollywood…
Maria Manuela Machado mudou-se para a Califórnia para tentar a sorte no mundo da música. Apesar de, na altura em que conversámos, já ter gravado alguns temas, a verdade é que ainda não tinha conseguido deixar de ser secretária de produção de Kevin Costner, o que já não era mau de todo…
Na entrevista, revelou-me que a primeira esposa do ator, Cindy Silver, tinha como nome de batismo Cindy Silva. O pai era açoriano mas Cindy preferiu assumir a ascendência italiana da mãe, pouco se importando com a costela lusa. Ao contrário dela, Maria Machado ostenta grande orgulho nas suas origens e garantiu-me mesmo que, se um dia viesse a fazer carreira na música – o que até agora ainda não aconteceu –, gostaria de ser conhecida como «a portuguesa».
Perguntei-lhe qual seria o nome artístico que iria adoptar e ela nem sequer me deixou acabar a pergunta: «You know… talvez Nelinha… era como me chamavam em Portugal quando era criança. E depois soa bem, é parecido com Madonna.» Não percebi a analogia, mas não lhe fiz a desfeita de a contrariar.
No final da conversa prometi voltar para também poder conhecer Kevin Costner. Dessa vez acabaria por ser um regresso infrutífero porque ele não estava, mas sempre pudemos refastelar-nos na grande poltrona que era sua. Melhor do que isso, descobrimos um dos segredos do staff das estrelas: duas secretárias a assinar fervorosamente autógrafos de Kevin Costner nos cartazes do filme Danças com Lobos. Perante a nossa inusitada presença nem sequer pestanejaram, esboçando apenas um leve sorriso amarelo ao jeito de quem quer dizer: «Pensei que vocês já sabiam… ou estavam à espera que o boss iria perder tempo a rubricar todos os cartazes?»
A própria Maria Machado confirmou-nos que essa era a única maneira de responder às centenas de pedidos de autógrafos que lhes chegam diariamente, e que é assim em todos os estúdios, com todos os realizadores, atrizes e atores: ou a assinatura é feita na hora, na presença da própria estrela, ou o autógrafo passa a corresponder a uma espécie de cópia fiel subscrita por uma qualquer secretária.
Nas viagens seguintes a LA visitei sempre a TIG Productions, encontrando o próprio Kevin Costner por diversas vezes. «Maria’s portuguese friend…», saudava-me ele simpaticamente. A pedido dela, assinou-me dois livros de rodagem dos seus filmes. Num, escreveu: «Mário, see you in the movies»; no outro, escreveu simplesmente: «Mário… mais uma!» (assim mesmo em português). E assinou Kevin Costner. À minha frente, pelo próprio punho…
Numa dessas visitas, que proporcionavam sempre conversas muito interessantes, Costner revelou-me que a seguir à atribuição dos Óscares recebia no escritório uma média diária de 20 guiões e argumentos para filmes. O mais curioso é que algumas dessas histórias eram incrivelmente coincidentes, sendo pouco provável que fossem plagiadas umas das outras.
Nesta procura por um lugar ao sol no firmamento de Hollywood, o próprio Kevin Costner tem uma história curiosa que gosta de contar. Enquanto estudava Gestão e Marketing, decidiu frequentar aulas noturnas de interpretação. Durante uma viagem ao México conheceu casualmente Richard Burton, que seguia no mesmo avião. Falou-lhe das aulas que andava a ter e Burton disse-lhe apenas: «Se realmente é isso que queres ser, não deves desistir. Apesar das dificuldades, deves lutar por aquilo que pretendes alcançar.» O jovem candidato a ator levou essas palavras a sério, e confessa mesmo que foi a partir desse encontro casual que reforçou a determinação de seguir em frente.
Contou-me este episódio quando lhe fiz, oficialmente, a primeira entrevista, em Londres, por ocasião do lançamento de Wyatt Earp. Depois disso esteve algum tempo sem rodar e só voltaria a realizar, produzir e interpretar no filme O Mensageiro. Voltou aos westerns, realizou excelentes trabalhos de interpretação e ainda teve tempo para andar pela América em tournée em concertos de música country com a sua banda na qual, além de vocalista, também é guitarrista.
Recentemente voltámos a conversar em Londres sobre a série Yellowstone e fiquei a saber que o velho projeto do western épico do qual me tinha falado há anos estava em rodagem para resultar em quatro filmes. Temos já no cinema os primeiros dois – Horizon: Uma Saga Americana.
Falámos também de Maria Machado, que há muito deixou de trabalhar na TIG Productions, deixando o cinema para estar apenas ligada ao mundo da música. Lembro-me que em 1998, numa das muitas viagens a Los Angeles, estava ela a gravar um novo CD para bater à porta das editoras e tentar uma vez mais a sorte. Na terra das oportunidades, a Nelinha ainda não encontrou a sua.
Kevin Costner nasceu às 09h40 de 18 de janeiro de 1955, na cidade de Lynwood, na Califórnia. É o mais novo de três filhos, todos rapazes, de uma dona de casa e de um eletricista. Na sua geração não era habitual os miúdos gostarem de futebol, não o futebol americano, a versão soccer como o conhecemos cá, ele sempre gostou de bola e é um declarado adepto dos ingleses do Arsenal.
Entre os muitos empregos que teve antes de se tornar famoso foi motorista, guia turístico em Hollywood e trabalhou na Disneylândia, numa das atrações do parque. A sua primeira mulher, Cindy Silva, filha de uma açoriana, conheceu-o no parque da Disney, onde ela se vestia de Branca de Neve.
O primeiro papel de destaque de Kevin Costner aconteceu em 1983, quando foi escolhido por Lawrence Kasdan para participar no filme Os Amigos de Alex. Ninguém se lembra dele porque, na verdade, não aparecia apesar de ter rodado as suas cenas, ele interpretava o papel de Alex (o morto do filme) e as cenas de flashback acabaram por morrer também na montagem final... de Lawrence Kasdan. Para o compensar do desconsolo, Kasdan prometeu-lhe uma participação de destaque no projeto seguinte. E assim foi: dois anos mais tarde, Costner começava a ser notado num dos westerns mais celebrados da época, Silverado.
Entre as muitas curiosidades que se podem contar sobre Kevin Costner há uma relação interessante com o amigo Harrison Ford, que, bem vistas as coisas, é o seu maior rival. É que foram diversos os papéis inicialmente pensados para Costner que acabaram por ir parar a Harrison Ford, designadamente nos filmes Air Force One, Presumível Inocente e As Aventuras de Jack Ryan. No caso de Air Force One, Costner participou na escrita do argumento e na pré-produção mas, devido a problemas de agenda com a rodagem de Mensageiro, foi o próprio a telefonar a Harrison Ford propondo-lhe o papel. Ford agradeceu e fez questão de sublinhar a simpatia do colega nas entrevistas que foi dando sobre o filme, que acabou por ser um dos maiores êxitos de bilheteira de sempre.
Nas escolhas da carreira, Costner já teve alguns tiros ao lado: por exemplo, recusou uma participação no filme Platoon, de Oliver Stone, mas aí teve uma justificação, recusou por respeito ao irmão mais velho, veterano da Guerra do Vietname. Mas entre os seus flops da carreira, que também os tem apesar de no balanço serem mais as grandes produções e muito populares, o filme Waterworld está na lista um dos maiores fracassos na história do cinema. A expectativa era grande, como uma «versão aquática» de Mad Max, foram gastos 175 milhões de dólares. Hoje ainda é muito dinheiro para uma produção, agora imaginem na época, 1995, um flop tão grande que quase levou à falência a Universal Pictures.
Kevin Costner começou a estudar Marketing na Universidade da Califórnia e, ao mesmo tempo, frequentava aulas de teatro. A sua estreia no grande ecrã é complicada. O primeiro filme, Malibu Hot Summer, filmado em 1974, só chegou aos cinemas em 1981. Se Silverado lhe salvou a face para lhe dar a possibilidade de brilhar num filme, talvez tenha sido essa realização de Lawrence Kasdan que levou a que Brian De Palma o escolhesse para o elenco de Os Intocáveis, de 1987. A partir daí estava lançado e bem lançado, e faz uma longa pausa para escrever e preparar a produção de Danças com Lobos, a sua consagração como realizador logo na estreia nessas funções... melhor filme e melhor realizador... e, aproveitando o balanço, foi ator em Robin Hood, Príncipe dos Ladrões. E em 1992 junta-se a Whitney Houston em O Guarda-Costas, outro grande êxito que lhe balanceia a carreira. Nunca deixou os westerns até como realizador.
Em 1993 trabalhou sob a direção do velho cowboy Clint Eastwood no thriller Um Mundo Perfeito. Vale a pena destacar outros dos seus trabalhos, uma grande interpretação em JFK ou o drama Treze Dias.
O novo milénio não foi tão profícuo em êxitos ou simpatia da crítica, mas ele lá se foi aguentando como um ator muito credível e seguro nos desempenhos. Mais recentemente voltou a maré de fama ao interpretar John Dutton na série Yellowstone, da Paramount, de onde saiu recentemente com algum estrondo antes de filmar a quinta temporada para se dedicar a Horizon: Uma Saga Americana, no qual volta ao seu ambiente de western que tanta popularidade lhe tem trazido. Costner está em rodagem na continuação da saga que, a correr bem, termina dentro de um ano e meio, quando o ator já tiver 70 anos.
Um dos últimos grandes êxitos do ator, a série Yellowstone em que participou, já com 45 episódios desde 2018.
A rodagem de Horizon levou as equipas aos lugares icónicos do velho Oeste.
Kevin Costner em Horizon: Uma Saga Americana.
1990 foi o ano da consagração como realizador. Danças com Lobos foi o filme mais rentável do ano, com 425 milhões de dólares de receita.
Em 1993, no thriller dramático Um Mundo Perfeito, trabalhou com Clint Eastwood.
No filme Jogo a Três Mãos, de 1988, já era uma estrela reconhecida. Aqui desempenha o papel de um jogador de basebal.