Viagem ao Centro da Terra

Viagem ao centro da Terra 



GRUTAS DE MIRA DE AIRE FAZEM 76 ANOS 


 

Foram descobertas por quatro homens que andavam à procura de água. Serviram de abrigo militar, estiveram na génese do desenvolvimento da espeleologia em Portugal e já foram visitadas por 8 milhões de pessoas. Vão ter um Centro do Conhecimento adaptado para deficientes e possuem um recanto onde vinhos de prestígio vão envelhecendo. 


TEXTO: Mário Costa 

FOTOGRAFIAS: Vitor Neno 



As grutas foram descobertas em 1947, mas só em 1974 é que foram abertas ao público e puderam ser visitadas. Na altura, a descoberta das grutas provocou um alarido enorme, a imprensa nacional deu um grande destaque porque era uma descoberta sem paralelo em Portugal.» A afirmação é de Carlos Alberto Jorge, presidente do conselho de administração da Empreendimentos Turísticos e Espeleológicos S.A., a empresa que detém a exploração e gestão das Grutas de Mira de Aire. Localizadas no concelho de Porto de Mós, a 15 quilómetros de Fátim, as Grutas de Mira de Aire são visitadas anualmente por cerca de 140 mil pessoas que se aventuram até aos 110 metros de profundidade: «As grutas são, na prática, a junção de três grutas – a Gruta dos Moinhos Velhos, que é a principal, a Gruta da Pena e a Gruta da Contenda – que, ao todo, têm uma extensão de 11,5 quilómetros, mas apenas 600 metros podem ser visitados em segurança. A entrada faz-se por umas escadas que dão acesso ao percurso que vai descendo até um desnível de 110 metros, com 687 degraus, e depois a saída faz-se por um elevador de acesso à superfície», explica àCarlos Alberto Jorge.


Tal como as outras grutas da região – Alvados, Santo António ou Moeda, as de Mira de Aire foram descobertas por um simples acaso. Segundo se sabe, em julho de 1947, em plena época estival, quatro homens da vila de Mira de Aire andavam pela serra à procura de pontos de água para abastecimento da população. Ao chegaram ao local onde se encontra a a Gruta do Moinho Velho, repararam um buraco (algar) que dava acesso ao interior da gruta e de onde saía uma coluna de vapor de água: «perceberam que haveria ali água. «Pelo barulho eles perceberam que haveria ali água e decidiram entrar. Usaram umas cordas grossas e, a pulso, desceram até uma pequena galeria, a cerca de 20 metros de profundidade, e o que viram com a pouca luz que levavam foi uma grande sala envolta na mais completa escuridão, que fazia ecoar as suas vozes e o barulho das pedras que atiravam para tentar perceber a profundidade do local», explica Carlos Alberto Jorge. 


A primeira incursão nas grutas ficou-se pela primeira galeria, cuja dimensão era desconhecida. Mas a curiosidade fez com que os quatro homens voltassem dias depois, com mais pessoas e munidos de cordas cedidas por um camionista da vila, que lhes permitiu descer à primeira sala das grutas e perceber a sua real dimensão e a beleza das estalactites suspensas do teto. 


A notícia da descoberta com a descrição do que havia sido encontrado depressa se espalhou pela região e ecoou em Lisboa através da imprensa. Graças a isso, chegaram à região, e à Gruta do Moinho Velho, espeleólogos interessados em descobrir mais sobre o local: «A notícia espalhou-se e começaram a chegar espeleólogos que tinham formação necessária e treino para fazerem expedições em grutas e que andavam com a ideia de constituírem uma Sociedade Científica para o estudo das grutas. Muitos puderam visitar as novas grutas e fazer expedições no seu interior. Aliás, essas primeiras expedições permitiram explorar o fundo da sala, as reentrâncias nas paredes e descobrir a passagem para a continuação das grutas através de uma abertura num patamar acessível apenas por passagem estreita a que deram o nome de Púlpito, e ficar a saber que mais à frente essa passagem dava acesso a um poço com cerca de 20 metros de profundidade, o segundo poço das grutas», conta às Selecções do Reader’s Digest o administrador das grutas. 


A descoberta das Grutas de Mira de Aire e as primeiras expedições acabaram por desempenhar um papel importante na espeleologia nacional, pois foi deste grupo de espeleólogos que saíram os fundadores da atual Sociedade Portuguesa de Espeleologia: Brun da Silveira, Eduardo Vicente, Francisco José de Abreu, Jorge Tiago Ferreira, José Afonso Amaral, Armando Morais de Carvalho, Mário Monteiro, José de Andrade Franga e Telmo Augusto Pereira que, reunidos numa mesa do café Palladium, em Lisboa, em 16 de novembro de 1948, resolvem criar a Sociedade Portuguesa de Espeleologia «com o fim de se dedicarem a pesquisas espeleológicas e ciências afins». Está, então, iniciado o estudo organizado das grutas portuguesas.


Em 1949, dois anos após a primeira descida às grutas, foi instalado um guincho de madeira com uma corda com 30 metros de comprimento que permitiu aos espeleólogos irem mais além do primeiro poço, sendo as descidas posteriores efetuadas através de escadas, primeiro com cabos de aço e degraus de madeira, e depois com degraus de latão, as famosas escadas Joly de origem francesa. É no fundo deste poço inicial que começa o percurso visitável com um total de 600 metros.


Setenta e seis anos depois da primeira expedição descemos às grutas tendo Carlos Alberto Jorge, administrador da empresa, como guia. Depois de a porta de acesso se fechar atrás de nós demoramos um pouco a habituarmo-nos à penumbra do interior e à baixa temperatura, descemos os primeiros degraus e chegamos ao primeiro poço, onde tudo começa e por onde entraram os primeiros exploradores: «Foi esta a primeira visão, a primeira imagem que eles tiveram das grutas quando desceram pendurados em cordas, sem saberem qual a sua profundidade real. Aliás, para tentarem perceber qual era a profundidade, atiravam pedras e ficavam à espera de ouvir o barulho. Ao mesmo tempo, ativaram molhos de palha a arder, que ao cair iluminavam tudo à volta», explica o nosso guia. Para melhor se ter uma ideia da altura, o visitante pode ver um boneco que representa um espeleólogo pendurado numa corda suspensa numa das cavidades de acesso. 


«Foi a partir daqui que tiveram início as várias expedições que permitiram conhecer as grutas e que hoje as pessoas podem ver ao longo deste percurso e a que deram o nome de Galeria Grande, com vários desníveis e vários pontos de interesse, como a Fonte das Pérolas, as Galerias do Polvo, o Órgão e o Rio Negro, que corre ao longo do percurso», assinala Carlos Alberto Jorge à nossa reportagem. 


A meio do percurso, já perto do Rio Negro e da descida para o Areal e a Galeria Grande, uma pequena gruta com um portão de ferro chama a atenção: «Aqui estão guardadas centenas de garrafas de vinho de uma marca muito conhecida que vão envelhecendo no escuro, a uma temperatura constante e no meio do silêncio. E de quando em vez fazem-se provas de vinho aqui dentro», conta o administrador das grutas. 


Ao longo das décadas de 1950 e 1960 foram feitas expedições mais profundas e mais prolongadas, sempre com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Espeleologia. Foram montados acampamentos no interior das grutas e, a partir destes, chegou-se mais longe, nomeadamente ao Sifão das Areias, Concha e Labirinto, até que foi descoberto o Poço Final. Estas descobertas permitiram fazer o primeiro levantamento topográfico das grutas, que foi realizado por elementos do Exército. Mas apesar do entusiasmo que as descobertas causaram, as grutas só abriram ao público em 1974, por iniciativa da  Junta de Freguesia e algumas forças vivas locais: «Depois de ter sido feito o levantamento topográfico, as grutas foram declaradas abrigo militar. Só em fevereiro de 1971 é que a Junta de Freguesia promoveu uma assembleia com toda a população para saber o que se devia fazer com este património. Nessa altura decidiu-se criar a empresa que ainda hoje explora as grutas, sendo que todas as pessoas podiam ser acionistas, e a Junta de Freguesia ficou com 1 representante na administração e todos os anos é retirada uma verba dos líquidos da empresa, que lhe são destinados para fazer melhoramentos na vil», esclarece Carlos Alberto Jorge. Em 2007, uma expedição da Sociedade Portuguesa de Espeleologia entrou na galeria do Rio Negro, aproveitando a baixa do nível das águas, e conseguiu acrescentar mais de um quilómetro de novas galerias, que se dirigem ao interior do Planalto de S. Mamede, ao traçado total das grutas. 




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COMO SE FORMA UMA GRUTA? 


A água, no seu interminável ciclo, absorve grandes quantidades de dióxido de carbono quando atravessa a atmosfera e se condensa, e depois precipita-se novamente sobre a terra em forma de chuva. Quando chove nas zonas calcárias, estas águas espalham-se nos terrenos em todas as direções, ao sabor dos declives que vão encontrando, e escoam pelas fendas do calcário aumentando-as, quer pela erosão mecânica natural, quer pela reação química causada pela presença de dióxido de carbono. 

O calcário, que se forma sobretudo graças ao carbonato de cálcio, ao entrar em contacto com as águas saturadas em dióxido de carbono origina bicarbonato de cálcio, passando assim de uma substância insolúvel a uma substância solúvel. No seu processo de permeabilização ao atingirem as amplas cavidades anteriormente formadas (grutas) estas águas geram pequenas gotas que se desprendem dos tetos das mais variadas alturas, criando nesse processo todo o tipo de formações. Uma parte destas águas vai naturalmente sofrendo o fenómeno da vaporação, diminuindo assim, substancialmente, a quantidade de dióxido de carbono que nela existia de início. Esta operação origina uma reação química inversa à anterior, ou seja, a formação de novo do carbonato de cálcio que, sendo insolúvel, fica suspenso dos tetos sob formas sólidas coniformes de vértice para baixo, pelas quais vão «crescendo» lentamente ao longo dos séculos com o nome de estalactites. No entanto, se as gotas, mercê de uma permeabilização mais intensa, se desprendem ritmicamente, e a uma cadência regular, dos tetos, o fenómeno químico concretiza-se, fazendo com que as formações cresçam a partir do chão, sendo conhecidas por estalagmites. 

Pode ainda dar-se a união das formações criando lindíssimas colunas de caprichosos efeitos. Nos tetos, mercê de fissuras muito estreitas e compridas, por onde as águas terão de correr na sua permeabilização, frequentemente formam-se deslumbrantes formações de finíssimos filamentos cristalinos. 


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Carlos Alberto Jorge, presidente do conselho de administração das grutas, em frente ao local onde vai nascer o Centro do Conhecimento.


O Órgão, uma das formações que pode ser vista durante o percurso ao longo da galeria.




O primeiro poço foi o primeiro local a ser visitado por quem descobriu as grutas. Hoje, as plataformas metálicas ajudam a observar esta maravilha da natureza. 




As grutas estão cheias de fósseis de animais que aí caíram ou ficaram presos. 


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