O Tesouro de Egersund
A MINA MAIS LIMPA DO MUNDO ESTÁ A SER CONSTRUÍDA NA NORUEGA PARA FORNECER À EUROPA AS MATÉRIAS-PRIMAS DO FUTURO.
Stefan Beutelsbacher
No cimo de uma colina repleta de cabras e ovelhas, nos arredores da pequena cidade norueguesa de Egersund, Pål Thjømøe quer salvar o futuro da Europa. É uma manhã fresca, logo após o nascer do Sol. Thjømøe sai de um SUV, veste um casaco grosso vermelho e caminha até uma rocha. A superfície da pedra é ligeiramente ondulada. «Isto indica fosfato», explica Thjømøe. «O tesouro está mesmo por baixo de nós. A paisagem é idílica, digna de um postal, com pinheiros, riachos e cascatas. Nem sempre foi tão pacífica», diz Thjømøe. «Em tempos, houve aqui um inferno.» Há 920 milhões de anos – quase ontem na perspetiva de geólogos como ele – dois continentes colidiram no local, a Europa e a América. A pressão deu origem a minerais que são considerados indispensáveis no mundo moderno de hoje. «Estamos aqui», anuncia Thjømøe, «para os recuperar».
O fosfato é necessário, por exemplo, para as células solares e os carros elétricos. Até agora, a matéria-prima vem sobretudo do norte de África ou da China. As empresas mineiras extraem-na com pouca consideração pelas pessoas e o ambiente. Algumas enviam as crianças para as minas, outras poluem as florestas e os rios. Isto levanta uma questão incómoda: até que ponto são realmente limpas todas as tecnologias amigas do ambiente que utilizamos na Europa?
Além disso, o fluxo de matérias-primas para o Ocidente pode secar a qualquer momento. No verão de 2022, a Rússia cortou o fornecimento de gás em retaliação para com as sanções impostas pela Europa após o início da guerra na Ucrânia. E no outono de 2023 a China restringiu as exportações de gálio e germânio, dois metais necessários para os chips dos computadores.
Ambos os casos mostram que a Europa está dependente de outras regiões do mundo. Demasiado dependente, segundo muitas pessoas. O tesouro de Egersund é suposto mudar isso.
Thjømøe trabalha para a empresa mineira britânico-norueguesa Norge Mining e está a pesquisar as reservas. Para isso, a sua equipa fez 170 furos na cadeia de colinas. Chegaram a perfurar 2201 metros abaixo do solo, um recorde na Noruega. Agora, os geólogos acreditam que o maior depósito de fosfato do mundo está localizado perto de Egersund. Estimam que existem 70 mil milhões de toneladas de rocha. Esta quantidade, segundo os especialistas, poderia satisfazer a procura mundial durante cinquenta anos. Também existe titânio e vanádio.
A Comissão Europeia designa o fosfato, o titânio e o vanádio como matérias-primas críticas. Segundo a autoridade de Bruxelas, a nossa sociedade moderna não pode funcionar sem elas. Egersund representa a esperança de que um dia a Europa seja capaz de se abastecer delas. E que a transição energética do continente se torne mais ecológica, porque os materiais para tal já não virão apenas de Marrocos, do Zimbabué ou do Congo, mas também da Escandinávia.
A abertura da mina está prevista para 2028, prometendo autonomia e proteção climática. Embora a Noruega não seja membro da UE, é um aliado próximo.
A Norge Mining está a planear o que afirma ser a mina mais limpa do mundo: uma mina com zero emissões. As escavadoras, pás e camiões funcionarão a eletricidade. A empresa planeia sugar de novo para o solo o dióxido de carbono que escapa quando este é escavado. E um rio próximo, onde há muitos salmões, vai ter um sistema de filtragem.
Até agora, a exploração mineira é uma das indústrias mais sujas do mundo. Uma mina verde seria uma revolução. Poderá este projeto ser bem-sucedido? Ainda há obstáculos. E dúvidas.
POEIRA E RUÍDO
Pål Thjømøe, o geólogo da Norge Mining, aponta para os prados e florestas que se estendem à sua frente. «Estamos a destruir tudo isto aqui da forma mais sustentável possível», diz. «Mas a verdade é que, se queremos extrair matérias-primas, temos de cavar buracos.» Quatrocentos mineiros estarão em breve a perfurar e a minar nos arredores de Egersund. Várias aldeias ficarão expostas ao pó e ao ruído. E o plano para captar o dióxido de carbono do ar é arrojado. O processo – conhecido como CCS nos círculos técnicos – é considerado trabalhoso e dispendioso.
Além disso, existem dezenas de quintas na área planeada para a mina. Algumas delas estão na família há vinte gerações. Todas terão de desaparecer para que os estados da UE obtenham as suas matérias-primas e os investidores da Norge Mining os respetivos lucros. Também é provável que se percam tesouros arqueológicos. Há mil anos, os vikings viviam nas colinas à volta de Egersund e os investigadores suspeitam que ainda existem muitas povoações antigas no subsolo. Thjømøe conclui: «Não se pode salvar tudo.»
O ESTADO COMPENSA
Uma das pessoas que se vai mudar é Harald Øgreid. O construtor civil possui um terreno perto de Egersund: 55 hectares com uma casa e um barracão para escavadoras e tratores. Øgreid veste uma camisa de flanela e um casaco amarelo. Dirige-se ao seu escritório, pega em dois copos de papel e enche-os de café instantâneo. Depois, afunda-se numa cadeira poída. «Há sempre protestos contra a mina», afirma Øgreid. «Mas as pessoas não deviam ser tão teimosas.» Ele, pelo menos, está disposto a ceder a sua propriedade. «Se tiver de ir», diz, «tenho de ir». Aguarda com expetativa a indemnização que irá receber do Estado norueguês.
Na secretária de Øgreid há modelos de escavadoras e nas paredes fotografias de pás carregadoras – e cartazes das eleições de Donald Trump. Øgreid vive nos EUA durante metade do ano, no estado do Arkansas. É fã do Presidente americano. E, tal como Trump, parece pensar pouco na proteção do ambiente e muito na exploração da terra. «Sabemos o que são as matérias-primas», diz Øgreid. «Elas tornaram-nos ricos.»
Ele viu, conta Øgreid, como a Noruega mudou depois de o petróleo ter sido encontrado ao largo da costa em 1969. Como as plataformas de perfuração, os silos e as refinarias surgiram por todo o lado, aparentemente de um dia para o outro. E como isso trouxe prosperidade a muitas pessoas. «O fosfato», afirma Øgreid, «pode trazer-nos um impulso semelhante».
Nem todos são tão otimistas. Os políticos locais do partido social-liberal Venstre, por exemplo, opõem-se com veemência ao projeto da Norge Mining. Dizem que ameaça destruir a natureza no sul da Noruega. Se a mina entrar em funcionamento, poderão surgir cidades-fantasma. Venstre adverte que muitas pessoas fugirão do barulho e da poeira.
É um exercício de equilíbrio: a UE está constantemente a adotar novas leis ambientais para proteger as florestas, a água, o solo, os animais e o ar, mas a comunidade de estados também quer garantir o fornecimento das matérias-primas do futuro. O que é mais importante? Depois do gás da Rússia e do gálio e germânio da China, Bruxelas diz que, em caso de dúvida, são os recursos minerais.
GARANTIR O FUTURO
Em março de 2024, o Conselho da União Europeia deu luz verde a uma lei sobre matérias-primas críticas. De acordo com esta lei, as autoridades nacionais podem classificar as infraestruturas de extração de recursos minerais – minas, instalações de processamento, pilhas de escória – como de «interesse público superior». Por outras palavras, na Europa a exploração mineira tem agora prioridade sobre a proteção do ambiente.
Numa manhã de inverno, a pouco menos de duas horas de avião de Egersund, Tinne Van der Straeten diz: «É esse o compromisso que temos de fazer.» Van der Straeten é ministra belga da Energia.
Está a receber na Galeria de Espelhos do Palácio Egmont, em Bruxelas. Atrás dela erguem-se colunas de mármore, lustres pendurados e as paredes estão decoradas com estuque. O palácio do século xvi é um dos edifícios governamentais mais sumptuosos do país.
Tinne Van der Straeten, membro do Partido dos Verdes, desempenha atualmente um papel central na UE. Isto deve-se ao facto de a Bélgica ter assumido a Presidência do Conselho durante o primeiro semestre de 2024, o que significa que o país preside às reuniões dos chefes de Estado e de governo europeus e tem uma grande influência na agenda política. Van der Straeten considera que o tema das matérias-primas críticas é particularmente importante.
«Há um novo nacionalismo de recursos no mundo», afirma. «Alguns países já não querem partilhar os seus tesouros. É por isso que a Europa precisa urgentemente de minas como a da Noruega», diz Van der Straeten. Apesar de todos os perigos ambientais.
DINHEIRO E EMPREGOS
A Norge Mining já solicitou todas as licenças. Espera-se que Egersund as emita em breve. «Acho que a mina é uma boa ideia», confessa Leif Erik Egaas, vice-presidente da Câmara da cidade, um conservador. «Mas ainda tenho algumas dúvidas.» Egaas está a almoçar na sede da Norge Mining. Há sandes com salmão. O político está sentado numa sala de conferências no terceiro andar. Em baixo, vê-se o porto de Egersund, com navios de carga e arrastões de pesca atracados no cais.
Egaas está na política há vinte e cinco anos. A mina é o seu último grande projeto antes da reforma. «Deve trazer-nos dinheiro e empregos», refere. Mas antes que a cidade aprove tudo, ele quer saber o que a Norge Mining pretende fazer com os resíduos da mina, com todos os detritos e lamas que não podem ser usados para tecnologias futuras e têm de ir para algum lado. Este material não pode simplesmente acabar na paisagem.
«Queremos fornecer matérias-primas à Europa», refere Egaas, «mas também temos de proteger Egersund».
A paisagem em redor de Egersund, na Noruega (em cima), é idílica. De acordo com os especialistas, existem enormes quantidades de fosfato debaixo do solo. O geólogo Pål Thjømøe (em baixo) trabalha para a Norge Mining. De acordo com as suas informações, a empresa mineira está a planear a mina mais limpa do mundo em Egersund.
Os núcleos de perfuração de teste (em cima) sugerem a existência de grandes depósitos de fosfato. O empreiteiro Harald Øgreid (em baixo) possui um terreno perto de Egersund. Está disposto a ceder a sua propriedade e aguarda com expetativa a indemnização do Estado.