A CAMINHADA CURA

A caminhada cura


Como um passeio diário melhora a saúde mental, potencia a vida social e reduz o risco de doenças crónicas.




Christina Frangou





       Há vinte anos, Nancy Duguay estava junto a um campo de futebol, na província canadiana de New Brunswick, a ver o filho de 11 anos a correr para trás e para a frente – e só lhe apetecia um cigarro. Nancy, então com 39 anos e enfermeira de reabilitação cardíaca, estava a tentar deixar de fumar, o que fez durante mais de metade da vida. Experimentou os primeiros cigarros às escondidas, que tirava dos maços dos pais quando era adolescente, e nunca mais parou. Com as mãos vazias enquanto esperava pelo fim do treino do filho, a vontade de dar uma passa consumia-a. 


Atrás do campo, um monte densamente florestado fazia guarda. Em criança, Nancy e os amigos faziam regularmente caminhadas pela montanha e piqueniques no cume. Então, teve uma ideia: andar em vez de fumar. Disse a outra mãe que voltaria a tempo de levar o filho, e partiu na direção do monte. 


Vestida com calções, t-shirt e ténis, Nancy começou a subir, com o coração a bater forte. Parava frequentemente para descansar. Quando chegou ao cimo, apreciou a vista. «Soube tão bem», revela. «As minhas endorfinas dispararam e a vontade de fumar desapareceu.» 

Agora, quase todos os dias Nancy faz uma caminhada – e este hábito mudou-lhe a vida. Deixou de fumar e o ritmo cardíaco em repouso passou de 80 para 60 batimentos por minutos. O ritual deu-lhe muito mais: alívio do stress, gestão da saúde mental, convívio. «Agora tenho uma necessidade física e psicológica de o fazer», diz. «Quero manter-me saudável e em movimento.» 



É BOM PARA O CORPO 


       A investigação confirma cada vez mais o que Nancy descobriu: caminhar tem grandes benefícios para a saúde. De acordo com as autoridades médicas, caminhar durante duas horas e meia por semana pode reduzir o risco da maior parte das principais doenças crónicas entre 25 a 50%. Na verdade, o exercício leve a moderado revelou-se mais eficaz do que a medicação durante a reabilitação depois de um AVC. E caminhar é tão eficaz como tomar medicamentos para a prevenção da diabetes e como tratamento secundário de doenças cardiovasculares. 


       Em 2019, um estudo publicado no Journal of Clinical Oncology relatava que alguma atividade física – como fazer uma caminhada em passo rápido durante vinte minutos ou mais por dia – está ligada a um risco diminuído 

de sete tipos de cancro. Entretanto, caminhar mais também significa dormir melhor. Num estudo recente com homens e mulheres de meia-idade, os participantes que davam mais passos durante o dia dormiam melhor à noite.


Uma razão pela qual caminhar é tão bom para nós é razoavelmente simples: quando nos movemos, o nosso coração trabalha mais para levar o sangue aos músculos e órgãos que se ativam. Esse esforço repetido fortalece o músculo do coração, fazendo-o bombear com mais eficiência, enviando o sangue a todo o corpo com menos batimentos por minuto. O exercício também melhora a função dos vasos sanguíneos, e de acordo com uma análise o exercício aeróbico pode melhorar a saúde vascular.


Caminhar também ajuda a desenvolver outros músculos, em particular na parte inferior do corpo, e melhora o equilíbrio e a força. Os fisioterapeutas gostam de dizer «ação é lubrificação». Quando o corpo não se mexe o suficiente, fica perro. Os ligamentos, tendões e músculos encurtam quando não são usados, provocando dores nas articulações. Em particular para as dores nas costas, o movimento pode ajudar. Quando caminhamos, ativamos os músculos ao longo da coluna, fortalecendo-os. 


       Nos hospitais também se começa a reconhecer a importância de caminhar. No Hospital Monte Sinai, em Toronto, os pacientes mais idosos nem sempre eram encorajados a saírem da cama devido ao risco de quedas. Há cerca de dez anos, isso mudou. Com a ajuda de médicos, enfermeiros e voluntários, agora os pacientes são encorajados a irem pelo seu pé à casa de banho, a explorarem os corredores e a saírem da cama para tomar as refeições.


       Desde então, cada vez menos pacientes precisam de cateteres ou sofrem de escaras. Em média, passam menos tempo no hospital. «Cada dia que uma pessoa idosa está na cama perde 5% cento das funções físicas», diz o Dr. Samir Sinha, diretor de Geriatria. «Por isso, fazê-las levantarem-se e andar pode reduzir as probabilidades de a avó não conseguir voltar para casa.»




É BOM PARA A SAÚDE MENTAL


       Colocar um pé à frente do outro é igualmente benéfico para a saúde mental. Para Nancy, caminhar ajudou-a a atravessar alguns dos períodos mais difíceis da sua vida. Quando a mãe morreu com cancro, Nancy virou-se para as montanhas para exorcizar a dor. «Eu chorava durante todo o caminho montanha acima», lembra-se. Deste modo, caminhar tornou-se o seu antidepressivo.


De acordo com um estudo de 2019 dirigido por investigadores da Universidade de Harvard, as pessoas com um risco genético de depressão têm menos probabilidade de terem de lidar com o problema se fizerem exercício – mesmo que seja atividade física leve como caminhar. 


Caminhar também reduz o risco de demência e de doença de Alzheimer. Em 2019, a Organização Mundial de Saúde lançou novas diretivas para a prevenção da demência, e no topo da lista de recomendações consta fazer mais exercício.


Embora a ligação não seja ainda completamente compreendida, os especialistas acreditam que há uma série de possíveis explicações: o aumento do fluxo sanguíneo propicia o crescimento de células cerebrais, a atividade física estimula certas hormonas que podem reduzir a perda de massa cinzenta relacionada com função cognitiva e caminhar pode reduzir a inflamação no cérebro.


      Entretanto, um estudo da Universidade McMaster em Hamilton, no Canadá, revelou que a atividade aeróbica que incorpora períodos de esforço de alta intensidade melhora as funções da memória. De acordo com a Dra. Jennifer Heisz, que fez a investigação, caminhar ativa a produção de uma proteína, a BDNF, que promove o crescimento de novas células do cérebro. Estas células ajudam-nos a criar memórias de alta-fidelidade – «o tipo de memórias de que precisamos todos os dias para localizar o carro num parque de estacionamento movimentado e para reconhecer um amigo no meio da multidão», explica.



É BOM PARA A VIDA SOCIAL


      Jim Button, um empreendedor de 56 anos da cidade de Calgary, no oeste do Canadá, foi diagnosticado com cancro no rim em 2014. Foi submetido a uma cirurgia com sucesso mas, menos de dois anos depois, soube que o cancro tinha voltado, criado metástases e era terminal. Para se manter o mais saudável possível, Jim começou a andar 5 quilómetros por dia. Antes do diagnóstico, encontrava-se com os contactos de negócios e amigos nos cafés. Agora, pede-lhes que se juntem a ele numa caminhada. Nos últimos três anos, todos os dias e quando a saúde lhe permite, Jim Button sai para fazer uma caminhada, ao mesmo tempo que vai tendo mais companheiros de atividade. «Descobri que não há muitas pessoas que deem passeios a pé», diz Jim, que ainda controla a luta contra o cancro. «E quando o fazem, isso abre-lhes a mente para serem um pouco mais honestos acerca do desafio, seja ele qual for, de que queriam falar.» Em algumas caminhadas, a conversa nunca para. Noutras, fala-se pouco mas partilha-se muito. 


Tal como Jim Button, Nancy Duguay incorporou a sua comunidade nos passeios diários. Quanto mais caminhava, mais pessoas à sua volta viam os benefícios e começaram também a fazê-lo. O marido, Roger, começou a acompanhá-la durante as férias. E cerca de sete anos depois de Nancy ter feito a primeira caminhada montanha acima, a irmã decidiu tentar. Agora, também ela caminha todos os dias, e muitas vezes vão juntas. Formou-se à sua volta um pequeno grupo de caminhantes.


«Encontramos pessoas que vêm a descer e dizem: “Esta hoje foi difícil. Estava mesmo escorregadio, mas bem, sabe, valeu a pena.”» 





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