A Dança como forma de Vida

Depois de ter sido bailarina, Yolexis Santana Vila é hoje professora e fundou a Arabesque Academia de Dança. 


A DANÇA COMO FORMA DE VIDA

Professora cubana descobre talentos em Ourém 


Mário Costa



A Arabesque Academia de Dança foi criada por uma bailarina cubana que veio para Portugal para cumprir o sonho de abrir uma 

escola de dança. Catorze anos depois, a sua academia tornou-se uma referência no ensino e tem acumulado prémios. E descoberto muitos talentos. 



SUBIMOS AS ESCADAS que levam ao primeiro andar de um antigo centro comercial em Ourém. Rapidamente o som dos passos é substituído pela música de um piano que vem de uma das salas de dança. E esta, para e recomeça sempre que a professora dá indicações curtas e precisas às cinco alunas da aula de ballet. À indicação dada quase em sussurro, saltam, rodopiam, atravessam a sala e retomam as posições iniciais. «Esta é uma aula de técnica, para desenvolverem os movimentos, as posições, a postura. Quanto mais praticarem, mais à vontade estarão quando estivermos a desenvolver as coreografias dos bailados e das peças que apresentarmos ao público», explica Yolexis Santana Vila, de 44 anos, professora e fundadora da Arabesque Academia de Dança. 

Yolexis Santana Vila é natural de uma pequena aldeia em Cuba, e há mais de três décadas que alimenta a sua grande paixão: dançar. O seu percurso começou aos 9 anos, quando se inscreveu nas audições na Escola de Artes em Camaguey, na Cuba natal, onde começou a aprender ballet. «Em Cuba existe uma grande exigência nas escolas de artes, as artes e os artistas são muito valorizados, e eu tive o privilégio de aprender com grandes mestres», conta às Selecções do Reader’s Digest, antes de acompanharmos uma das aulas na Arabesque. 


Enquanto bailarina, Yolexis integrou a Companhia de Ballet Clássico de Camaguey durante cinco anos. Participou no elenco de vários bailados, tanto como solista como membro do corpo de baile por Cuba e toda a América Latina. Desse período recorda a sua participação no bailado A Morte do Cisne por ter sido dirigida por Fernando Alonso, pedagogo e fundador da Escola Cubana de Ballet: «Esse espetáculo foi muito importante para mim, marcou-me muito porque fui dirigida por Fernando Alonso, uma personalidade da dança com quem todos ansiavam ter algum contacto, poder trabalhar, porque para nós, jovens bailarinos, era um ídolo», diz à nossa reportagem. Em paralelo com os espetáculos e apresentações públicas que ia realizando, Yolexis ingressou no Instituto Superior de Arte de Camaguey, onde se licenciou em Ballet Clássico. 

O objetivo era continuar a dançar e ser professora de dança. E subjacente a isso o sonho de ter um espaço seu, uma academia onde pudesse desenvolver a sua arte. Aconteceu em Ourém. E bastaram catorze anos para se afirmar como uma das melhores escolas de dança a nível nacional, descobrir grandes talentos e vencer inúmeros prémios. Com cento e cinquenta alunos, a academia de Yolexis ensina ballet, dança contemporânea e hip-hop, e aposta em dois regimes de aulas, o livre e o articulado, consoante a exigência que os alunos procuram: «No regime apenas por hobby, os alunos têm 1 a 2 horas de aulas por semana fora do horário escolar. No regime articulado, do 5.º ao 12.º ano, a dança faz parte do currículo letivo e, além das aulas teóricas na escola, os alunos começam com 12 horas por semana, mas podem ir até às 26, aqui na academia», explica às Selecções. 


Com cada vez mais alunos não tem sido fácil conseguir recrutar professores para a academia, o que levou Yolexis a ir buscar professores a Cuba: «Não é fácil encontrar professores de dança clássica em Portugal porque, infelizmente, não há muitos nessa área, e os que existem também não estão interessados em vir trabalhar para o interior. Fui buscar alguns professores a Cuba porque, além de ser mais fácil a comunicação, temos a mesma formação, as mesmas metodologias de trabalho e de ensino, o que facilita muito o nosso dia a dia», refere. Uma reputação que leva a ser uma opção mesmo para os alunos não residentes em Ourém. Karen Nascimento, de 17 anos e a frequentar o 12.º ano, é de Leiria, mas optou por estudar dança na Arabesque: «Prefiro estudar aqui pela qualidade, pelo nível de exigência e porque é reconhecida mesmo fora do país», diz à nossa revista, enquanto garante que pretende ingressar na Escola Superior de Dança para fazer uma licenciatura e ser bailarina. 


Foco, empenho, disciplina e concentração são algumas das competências que a dança permite adquirir. Mas exige também uma capacidade de sacrifício e muita força de vontade: «Para se tornarem bons bailarinos, têm de trabalhar mais do que os outros, dormir bem e ser disciplinados com o corpo e a alimentação. E muitas vezes é difícil para eles resistirem às tentações da vida no dia a dia, à pressão do grupo de amigos, quando têm de abdicar de muitas coisas para manterem o foco», adianta Yolexis Santana Vila. Karen Nascimento garante que é um equilíbrio difícil de manter: «Não é que seja um sacrifício, mas temos de abdicar de algumas coisas para podermos atingir os objetivos. Às vezes os meus amigos insistem para sair com eles, por exemplo, e explico que não posso devido à dança, e eles continuam a insistir e não percebem.» 

Aqui também é importante o apoio das famílias para que os alunos possam seguir os seus sonhos e alcançar patamares mais elevados. Mas a desvalorização das artes também acaba por ser uma barreira: «O apoio das famílias é importante. Há alunos que vêm por influência dos pais, ou que têm o gosto pela dança e os pais apoiam. Isso é fantástico, até porque sem o apoio deles não conseguimos que façam estágios ou masterclasses em companhias nacionais ou no estrangeiro. E temos aqui alunos com capacidade para se tornarem grandes bailarinos, têm muito talento. Mas também há situações em que desvalorizam, acham que é apenas um hobby e que há outras atividades mais importantes, como o futebol. Acho que é uma questão cultural, porque em Portugal as artes não são encaradas como profissão», lamenta a professora cubana. 


Luna Ribeiro, de 17 anos, é um dos exemplos de quem tem o apoio da família no sonho de ser bailarina: «Eu ando no ballet desde os 3 anos, e entrei por influência da minha mãe. E tanto ela como o meu pai apoiam bastante, até porque que quero ser bailarina e ir estudar ballet contemporâneo», diz convicta à nossa reportagem. 

Yolexis Vila está em Ourém há catorze anos mas chegou a Portugal há cerca de duas décadas, depois de fazer uma audição em Cuba, para trabalhar no Conservatório Regional do Algarve Maria Campina. Foi escolhida e esteve um ano no Algarve, após o que regressou a Cuba. Mas o gosto por Portugal falou mais alto e regressou para se fixar definitivamente e abrir o seu próprio espaço. Admite que esta decisão foi muito complicada e difícil, até por razões culturais e de mentalidade. Tudo porque, segundo ela, ao contrário de Cuba em Portugal as artes ainda não são encaradas como uma profissão, e na área da dança ainda é preciso derrubar algumas barreiras culturais: «Ainda existe muito aquela ideia de que a dança é para as meninas e o futebol para os meninos. E há muitos rapazes que têm talento e gostavam de praticar ballet ou outra dança e não o fazem para não serem criticados ou sofrerem bulling. Em Cuba, por exemplo, é muito diferente. Quando comecei a dar aulas, tinha uma turma com 21 rapazes. Em Cuba é muito normal existirem bailarinos do género masculino. Em Portugal ainda é algo que se está a construir», adianta à nossa revista, defendendo que é necessário normalizar a dança nos homens para que os alunos, principalmente do primeiro ciclo, não sofram na escola com os comentários dos colegas. Talvez por isso, atualmente, na Arabesque, dos 150 alunos só dois são rapazes. João Sousa, de 14 anos, é um deles. Chegou à academia por influência de um primo: «Eu sempre gostei de dança, inscrevi-me através de uma prima e estou no regime articulado», explica. A paixão pela dança leva-o a querer ser bailarino profissional, seguindo a via do ballet clássico. Admite que, infelizmente, há quem critique e faça comentários menos positivos sobre os rapazes praticarem ballet. Mas diz que não é o seu caso: «No início alguns colegas ficaram espantados, mas nunca houve qualquer problema ou comentários. Agora é uma coisa normal.» 


Apostada em continuar a descobrir talentos e a desenvolver a dança em Ourém, Yolexis Santana Vila organiza aulas – masterclasses – com coreógrafos de Portugal e do estrangeiro, proporciona estágios em grandes companhias europeias e organiza o Adagio, um encontro internacional de dança, em Ourém, que permite o contacto com outras escolas de dança de diferentes países e se realiza todos os anos: «Conseguimos que os nossos alunos façam estágios em grandes companhias, por exemplo na Holanda, Estados Unidos, Inglaterra ou Espanha, para conhecerem outras realidades, outras formas de dançar, dar-lhes uma visão do mundo que, se ficarem aqui fechados, nunca vão conhecer. E, ao mesmo tempo, com o Adagio temos a oportunidade de partilhar com outras companhias, outras escolas, fazemos masterclasses com professores de renome mundial. 



Exigente, metódica, perfecionista, a professora sente-se orgulhosa do percurso de muitos dos seus alunos que, segundo ela, têm talento e estão preparados para poderem ingressar em companhias de dança pelo mundo fora. «Sinto-me feliz porque é nesse momento que temos a verdadeira noção das capacidades e todas as competências que os alunos adquiriram na academia. Ou quando apresentamos um novo espetáculo ao público e vejo as pessoas emocionadas. Fico muito feliz.» 


Durante a aula, Yolexis dá as instruções quase em surdina. E para e recomeça, até que o movimento esteja correto. 


Além da academia de dança, Yolexis criou o Adagio, um festival internacional de dança em Ourém que já vai na terceira edição. 


Rigor, disciplina, empenho e dedicação – a chave para o sucesso da Arabesque. 


Muitos alunos querem seguir a dança como profissão e ingressar em companhias internacionais. 


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