As termas do imperador
O nome recorda a origem: Aquae Flaviae (em português, Águas de Flávio) foi o nome que os Romanos deram à povoação formada junto da grande ponte que ali construíram sobre o rio Tâmega.
Essa ponte é o principal monumento da cidade e é uma das maiores pontes que construíram na Península. O assoreamento, acelerado pela desflorestação e pelo arroteamento dos solos, fez subir muito o nível das águas e acaçapou os arcos, soterrando até quase completamente alguns deles, e isso apequenou muito a grandiosidade da obra romana, que, apesar de tudo, ainda hoje impressiona pela sua dimensão e robustez.
A meio da ponte, e de cada um dos lados, vêem-se duas colunas com inscrições gravadas na pedra. Uma delas diz que, sendo imperador Cesar Nerva Trajano Augusto Germanico Dacico, Pontifex Maximus, os Aquiflavienses fizeram esta ponte à sua custa. O adjectivo dácico diz-nos que, quando a ponte foi construída, já o imperador Trajano (98–117) tinha conquistado a Dácia (actual Roménia), conquista que data do ano 106 da era cristã. A ponte é portanto posterior a essa data, mas anterior a 119, data da morte do grande imperador, que era de origem espanhola.
A outra coluna foi encontrada não junto da ponte, como a anterior, mas numa calçada que conduzia até ao rio. O seu interesse está em que se refere a numerosas tribos: os Aquiflavienses, os Aobrigenses, os Bibalos, os Coelernes, os Equesos, os Interâmnicos, os Límicos, os Nebisocos, os Quarquernos, os Tamaganos. Seriam tribos célticas ou celtibéricas que os Romanos obrigaram a trabalhar em alguma grande obra pública, talvez uma estrada. É do ano 70 da nossa era, e portanto anterior à construção da ponte. É estranho que já refira os Aquiflavienses, pois o primeiro imperador da família Flávio foi Vespasiano (69–79).
As águas de Flávio eram águas quentes que brotavam do solo a uma elevada temperatura (73ºC), com bolhas de gás carbónico que as faziam parecer águas ferventes. Os físicos do tempo, como os médicos de agora, reconheciam-lhes eficácia no tratamento de várias doenças, e isso levou o lugar, ainda na época romana, à posição de prestigioso centro de tratamento.
Na Idade Média, as termas eram recomendadas aos gafos, e talvez isso tenha contribuído para que as termas tenham caído no esquecimento durante muito tempo. Recorde-se, porém, que no século XII foi às termas (em S. Pedro do Sul) que D. Afonso Henriques recorreu na doença que
o invalidou durante os últimos anos de vida, no século XV foi a rainha
D. Leonor quem mandou construir o Hospital das Caldas da Rainha para
os doentes miseráveis, no século XVIII era a essas termas que recorria o rei D. João V.
Terra fronteiriça, toda a região está protegida por castelos. Dentro da cidade de Chaves, além do castelo medieval, mandado construir pelo rei D. Dinis, existem duas importantes fortalezas da época da Restauração: S. Francisco e S. Neutel. Na primeira, instalou-se recentemente um confortável hotel de turismo por iniciativa de um benemérito nascido na aldeia próxima. Este homem de Vilarelho da Raia que muito novo emigrou para o Brasil, voltou para investir neste empreendimento todo o produto de uma vida inteira de trabalho.
Povoação regalenga, fez parte do dote da condessa D. Teresa, filha do imperador Afonso VI, e nas guerras fronteiriças do século XIV e do século XVII foi por várias vezes atacada, perdida e recuperada pelos Portugueses. A última peripécia da história militar de Chaves foi a defesa que a guarnição, ajudada por civis republicanos, fez contra a tentativa de incursão monárquica organizada por Paiva Couceiro, um herói das campanhas africanas que permaneceu até ao fim da vida leal ao seu juramento de fidelidade ao rei e promoveu várias tentativas de invasão e de revolta, todas destinadas ao malogro. A Avenida dos Defensores de Chaves, em Lisboa, recorda a defesa da cidade em 1912.
Mas são muito numerosas as credenciais de Chaves para a sua inclusão no número dos lugares históricos: os arredores pré-históricos, como o impressionante Castro da Curalha, as pedras gravadas do Outeiro Machado, as pontes e vias romanas, as varandas do Bairro Medieval, o Museu da Região Flaviense, a aldeia de Vilar de Nantes, onde nasceu o pai de Camões e onde têm raízes todos os membros conhecidos da sua família. E, além dos monumentos, a paisagem: doce, húmida, de colinas ondulantes e inesperados horizontes. O forasteiro chega, respira o ar, comunga nos sentimentos e surpreende-se a dizer: aqui começa Portugal.
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Excerto retirado de "Lugares Históricos de Portugal" do Prof. José Hermano Saraiva