DEVE EXPERIMENTAR UM TRATAMENTO DETOX?
É um hábito popular para a saúde depois do Ano Novo, mas a ciência não o apoia.
Adrienne Matel de the guardian
No passado mês de abril, numa conferência TED em Vancouver, no Canadá, vi uma mulher tirar uma variedade de pó de cogumelos da mala, colocá-los numa garrafa térmica e adicionar água quente, de uma máquina de chá, para fazer uma bebida terrosa. Intrigada, perguntei-lhe quais eram as suas práticas de saúde favoritas, e ela começou por descrever uma viagem recente à Costa Rica para fazer plasmaferese.
«É quando nos tiram o plasma velho e o substituem por plasma novo e fresco», explicou.
«Plasma doado?», perguntei. Ela disse que era plasma sintético, como tratamento de desintoxicação destinado a gerir uma doença autoimune.
A plasmaferese pode remover eficazmente contaminantes, como alguns metais pesados, do sangue de pessoas com problemas de saúde específicos, incluindo doenças autoimunes, doenças do sangue e falha de órgãos, e de pessoas que tenham sido recentemente submetidas a transplantes de órgãos.
No entanto, para indivíduos saudáveis, a plasmaferese não pode melhorar os processos naturais de desintoxicação do organismo, que são eficientemente tratados pelos rins, fígado, pele, pulmões e outros órgãos. Além disso, a maioria dos metais pesados preocupantes acumula-se nos nossos órgãos e apenas quantidades vestigiais podem ser removidas do sangue.
A plasmaferese eletiva para pessoas saudáveis representa uma manifestação do mito da desintoxicação. Clínicas privadas com diferentes graus de controlo oferecem-na, atraindo turistas ricos, mesmo saudáveis.
Numa publicação no Instagram em abril de 2023 sobre o seu tratamento de desintoxicação de plasma, a ex-piloto profissional de carros de corrida Danica Patrick descreveu o tratamento de 10 mil dólares como aquele que «limpa a grande maioria do sangue» e pode «livrar-se de metais e mofo».
Para ilustrar, mostrava um saco com um líquido âmbar escuro. «O saco escuro é o meu plasma antigo», escreveu.
O plasma saudável tem a cor da urina escura, e isso é perfeitamente normal. A publicação de Danica Patrick, reconhecidamente surpreendente, perpetua a ideia errada de que as toxinas no nosso corpo se manifestam como sujidade que poderíamos eliminar, como a gordura num anúncio de detergente da loiça, se tivéssemos a ferramenta certa.
A noção de que métodos como limpezas, jejuns de sumos, suplementos e sessões de sauna podem desintoxicar o corpo é uma das alegações de bem-estar mais enganadoras. As práticas de «desintoxicação» podem ser boas, ter lugar na rotina pessoal de alguém, levar à perda de peso ou criar um efeito placebo, mas os especialistas têm repetidamente desmascarado as alegações de que removem significativamente as toxinas do corpo. De facto, em alguns casos podem fazer o contrário, prejudicando os nossos sistemas incorporados de desintoxicação. Os suplementos nutricionais são responsáveis por 20% das lesões hepáticas tóxicas nos Estados Unidos.
Além das intervenções médicas prescritas para condições específicas, não há quase nada que possamos fazer para ajudar o nosso corpo a desintoxicar-se com mais eficácia porque ele faz isso por si só. Em vez disso, é uma boa prática mantermo-nos hidratados, fazer exercício, descansar adequadamente e manter uma boa nutrição com uma dieta equilibrada rica em plantas com muitas vitaminas – tudo isto apoia as funções dos rins, fígado e outros órgãos.
PODE SER DIFÍCIL ignorar a ideia de que limpar o corpo é uma coisa boa, uma vez que a noção cativou a imaginação do público durante milénios.
«Temos tido versões de desintoxicação desde a Antiguidade», afirma o cardiologista e epidemiologista Christopher Labos, autor de Does Coffee Cause Cancer? And 8 More Myths About the Food We Eat («O Café Provoca o Cancro? E mais 8 Mitos sobre o que Comemos»). «Só com o desenvolvimento da medicina moderna e da teoria dos germes – a noção de que os germes invadem o nosso corpo e provocam doenças – é que nos apercebemos de que grande parte da lógica da desintoxicação não é realmente verdadeira», diz.
E, no entanto, é possível que estejamos a falar, a acreditar e a gastar mais dinheiro em desintoxicação do que nunca. A investigação estima que o mercado global de produtos de bem-estar desintoxicantes aumentará de 49 mil milhões de dólares, em 2019, para 80,4 mil milhões de dólares, em 2030. E com a palavra detox no rótulo, até os produtos básicos são vendidos a preços mais elevados.
No TikTok, mais de 132 milhões de publicações usam a hashtag #detox, explicando como encher o umbigo com óleo de rícino ou beber perigosos cocktails de bórax.
Os influenciadores podem ganhar dinheiro através de ligações afiliadas a produtos de desintoxicação duvidosos.
Os utilizadores podem aumentar a sua audiência partilhando hacks (truques) de saúde que vão do inútil ao prejudicial, transmitindo as suas crenças de que a água com limão revolucionou a sua saúde ou que a maioria dos americanos tem o estômago cheio de parasitas.
Porque somos tão suscetíveis a alegações de desintoxicação? Não ajuda o facto de a maioria dos truques de desintoxicação ter um brilho de lógica, tornando-os psicologicamente apelativos mesmo quando são falsos. Uma vez comprei clorofila líquida porque parecia correto que beber essência vegetal verde pura iria melhorar a minha saúde. E as pessoas que se sentem desprezadas pelas instituições médicas tradicionais tornam-se recetivas a conselhos de saúde não comprovados.
Há uma década, no Guardian, o médico alemão Edzard Ernst descreveu os produtos comerciais de desintoxicação, como as limpezas pré-fabricadas e as tinturas, como uma «exploração criminosa dos crédulos», alegando que prometiam «um remédio simples que nos liberta dos nossos pecados».
Muitos de nós pronunciamos a palavra «desintoxicação» normalmente quando estamos com os olhos turvos e a tropeçar depois de fim de semana «pesado», afirma o artigo, e é verdade que as pesquisas online por «desintoxicação» aumentam seguramente em janeiro, depois de semanas de exageros na quadra festiva.
É fácil rejeitar as hordas de ressacados desesperados por uma solução rápida, os fanáticos do bem-estar que se apropriam de tradições culturais ou aqueles cuja consciência de saúde se transformou numa mania conspiratória. Mas, na sua maioria, as pessoas que estão interessadas em desintoxicação parecem querer apenas tratar bem o corpo.
Este é um desejo razoável, em particular à luz da nossa compreensão cada vez maior acerca dos muitos contaminantes presentes no ambiente e nos nossos corpos. A investigação recente sobre microplásticos, substâncias químicas presentes em produtos de consumo, como as substâncias per e polifluoroalquílicas (PFAS), poluentes orgânicos persistentes (POP), desreguladores endócrinos e poluição atmosférica, traça um quadro perturbador do modo como o contacto com produtos do quotidiano e poluentes nos pode prejudicar.
Mesmo os comportamentos tradicionalmente virtuosos podem causar problemas de saúde. No ano passado, os investigadores encontraram PFAS na maioria das couves americanas; as couves orgânicas continham ainda mais produtos químicos do que as suas congéneres cultivadas convencionalmente. E um estudo recente realizado por investigadores da Ocean Conservancy e da Universidade de Toronto encontrou partículas microplásticas em 88% das fontes de proteínas, incluindo marisco, carne de vaca, frango e tofu.
Um número cada vez maior de investigações está a explorar a forma como podemos estar a absorver substâncias químicas nocivas através da pele a partir do vestuário sintético, como as calças de ioga, em particular quando fazemos exercício e suamos. Até o uso do fio dental nos dentes acarreta o risco de exposição a químicos nocivos, pois alguns contêm químicos considerados nocivos. E assim, a questão de como fazer o que está certo parece impossível de responder.
O Dr. Labos sublinha que as pessoas precisam, acima de tudo, de ter acesso a cuidados médicos de qualidade para que as suas questões médicas possam ser respondidas por especialistas de confiança, e que o papel de uma forte educação científica é primordial quando se trata de ajudar as pessoas a compreenderem porque é que os produtos de desintoxicação muitas vezes não resultam como o marketing sugere.
Comprar um suplemento de desintoxicação na farmácia é «obviamente muito mais apelativo e mais fácil de aderir do que a verdadeira solução» para a poluição ambiental que nos afeta, diz o Dr. Labos. No entanto, ao nos fixarmos demasiado em tentativas, na maior parte das vezes fúteis, de purificarmos o corpo, permitimos que a indústria transfira o ónus da desintoxicação para nós, em vez de abordar a causa principal da contaminação.
«A verdadeira solução para a poluição ambiental é deixarmos de poluir o ar e a água», afirma. «Temos de aprovar legislação destinada a resolver estes problemas tal como resolvemos a questão da destruição da camada de ozono. Já resolvemos problemas semelhantes no passado. Só temos de o fazer de novo.»
Se começássemos a pensar na desintoxicação como prevenção na fonte, poderíamos redirecionar a energia e a emoção que gastamos na compra e experimentação de produtos e tratamentos para exigências coletivas de redução de danos. Poderíamos deixar de tentar limpar os nossos cólones e concentrarmo-nos em forçar a adoção de regulamentos mais rigorosos para as empresas que tratam o nosso ambiente como uma sanita. Poderíamos poupar dinheiro em clorofila líquida e apoiar os gastos do governo na eliminação dos PFAS nos cursos de água.
A nossa vontade de aderir ao pensamento positivo e às tendências de bem-estar não é criminosa. É de todo compreensível. No entanto, se quisermos eliminar a poluição, os nossos esforços têm de ir para além do nosso corpo – é essa a pílula amarga que temos de engolir.